quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Sinto muito em te dizer, amor, mas eu estou carente.
Estou carente, de mim, não de ti.
Ando procurando desajeitadamente, aquilo que me pertence, em outros mundos.
É injusto. É desleal. É pesado.

Hoje não quero badalar, não quero ressaca de vinho barato, não quero gastar o que não tenho.
Hoje à noite eu quero ficar em casa de bobeira, de pijamas.
Quero Simone de Beauvoir, quero liquidações de sebo online,
Quero flores perfumadas, biscoito molhado no leite quente,
Quero colo de mãe, quero dormir cedo,
Quero a delícia de estar só, mas não me sentir só

Hoje eu quero eu mesma, não..
Talvez tenhamos nos apaixonado da forma errada.

E se for para sair, quero ir só.
Talvez um amigo venha a calhar, para adoçar, para desabafar.

Vai-te embora com este egoísmo,
Mastiga o teu orgulho
Engole esta carranca, com cachaça.
Mas, se embriague para lá, pois hoje eu vou para cá.

Hoje, assim, quero assim.
E amanhã, será?

Decreto

E a partir de hoje, por meio deste decreto, não justifico os meus sentimentos.
Está terminantemente proibido justificar lágrimas.
Ora, coisa mais besta tentar decifrar o indecifrável.
Se me pedires para justificar a minha tristeza, tem jeito não.
Me escuso de justificar o meu eu.
Não faça desatenção, faça não.
Pode ser a gota d'água

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Dói

Diariamente dói

Mas chega hora que dor lancinante arrebata o peito
Naquele momento só consegui fugir do tenebroso lugar familiar
Andei depressa, não corri
O trotar dos passos acompanhava as lágrimas quentes que molhavam o meu rosto
Chorei de dor, de saudade, de solidão, de arrependimento, de rancor,
Chorei sem motivo,  chorei como uma criança adulta perdida.
Nem o trânsito do horário do rush, nem as buzinas, nem as pessoas apáticas e apressadas, nem os livros pesados e o calor infernal existiam a minha volta.
Chorei porque minha mãe não estaria mais por perto, chorei porque todos os meus amigos se foram, chorei pelos romances idiotas que me fizeram acreditar em príncipes encantados, chorei por minha miséria, minha incurável tristeza, por meu coração infantil que se deixa encantar tão facilmente...quanta tolice...resgate agora os frutos da sua ingenuidade.
Chorei, chorei, mas dessa vez não tive dó de mim.
Chorei porque pouco restou.
Chorei pelas roupas desbotadas, chorei pelos livros que não me agradam mais, chorei pelas contas a pagar, pelo miserável salário que não dá....Ah, chorei bastante. Chorei até limpar minha alma despedaçada.
Por fim, Restaram lágrimas, o apartamento vazio, uma canção triste, amargor no peito, e milhares de tralhas interiores e exteriores pra arrumar.

Crescer dói.


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ouvir a minha voz ajuda?

- Ajuda, mas eu ainda me sinto só.
- E se eu for ficar um pouco com você?
- Sua presença vai me distrair, mas, ainda me sinto só.
Irremediavelmente só.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Dores internas

Eu queria poder dizer "Bom dia" a Joaquim. E pedir desculpas a Stela por ter mudado tanto em tão pouco tempo sem nem pedir permissão a ela. Diria a Anna que eu odeio a distância que se instalou entre nós. Também deixaria de furar tantos encontros, e a Sarah, a deixar de respondê-la. Deixaria de sufocar André e compreenderia Maria.
De repente eu comecei a perder tanto. A me distanciar de todos. Distanciei-me do meu eu.
Estou só, com um enorme amargo no peito. Tristeza sem fim.
Queria me isolar, mas, preciso tanto de vocês para viver.
Agora só existe um limbo etéreo e cinzento por aqui.
Monólogos monossílabos, passos repetidos, cárcere mental.
Sou um pássaro acorrentado.
Pequeno ser amedrontado.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Pedaços

Vem cá,  deixa eu lhe fazer um cafuné e ler um conto do Bukowski.
Ou então deixe-me mergulhar em seu olhar infindo. E lhe dizer no silêncio as coisas mais lindas. Pois eu ainda tenho medo de lhe dizer.
Pois apesar de ser tresloucada de amor, meu gostar é devagarinho.
Deixe-me desejar desesperadamente a sua presença.
Deixe-me lhe carregar para qualquer lugar.
Não me deixe aqui. Me leve pra sair.  Me entorpeça de amor.
Não me deixe só.  Esperando ou me comunicando por falsas muralhas.
Fantasiosas sensações de proximidade me chateiam.
Meu peito avassalador desatina: quero você, aqui e agora.
Quero Beijos intergaláticos e profundos.
Quero me entregar perdidamente as sensações do querer.
Que pode mais importar?  Se eu quero você.

Para que depois eu possa sentir o nosso cheiro em meus cabelos, na minha pele,  na minha alma.  Logo após quando você se vai.  Já não sei qual é o seu cheiro. Já me esqueci do meu. Só me lembro de nossas peles.
Quero também desejar a todo instante os nossos risos e desentendimentos.
Eu amo você. Por tudo e por nada. Amo por ser assim. E por eu ser assim com você.  E por estarmos sendo assim. Não tenha medo da minha loucura.  E, se possível, entregue-me um pouco da sua.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Poema de fim de tarde

Foi perdendo paulatinamente o encanto,
a medida que fui me cansando de tantas coisas:
de pessoas
de hábitos
de gostos
Devo estar ficando velha.
Visivelmente mais ranzinza.
Menos amável e sorridente.
Sentindo mais dores no corpo e menos dores de coração.
Nem tanto me comove tanto como outrora.
Porém ainda continuo chorando com os mesmos romances 
e com as mesmas melodias.
Continuo gritando alto no escuro os mesmos versos roucos.
Ah, insanidade!
Lúcida insanidade do crescer.

Mas ainda sou criança.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

O amor lhe deixou besta

O amor lhe deixou besta. O amor está lhe deixando besta. Não adianta postergar a bestagem, ela sempre se instalará. Chaga crônica o bestar de amor.
Claro que certo incômodo instala-se em seus órgãos internos. Palpitações. Pupilas dilatadas. Mãos suando. Ansiedade irresistível. Reviro os olhos tentando lhe encontrar.
De repente vejo que, mesmo trabalhando até tarde da noite e tendo o dia cheio de atividades, mesmo assim, encontraria um espaço para nós. Acharia uma brecha para encaixar os seus sorrisos em meus lamentos. E para que a sua presença preenchesse todo o meu abismo.
A resposta tarda. Você também. Encontro uma pausa para lhe enviar uma doçura.
É. O amor está lhe deixando besta.
Tiro uma tarde para planejar e sonhar.
É. O amor está lhe deixando besta.
Amargor apodera-se de minha boca na ausência da sua.
É. O amor está lhe deixando besta.
Conto detalhadamente sobre você aos amigos.
Caramba, como você está besta!
Refaço meus planos, meus pobres enganos. E você tarda.
Eu espero.
Afinal, o amor me deixou besta.

domingo, 25 de maio de 2014

Quando separa a gente não oscila

Quisera eu imaginar que estar a dois é tão bom
Duas energias que não oscilam
Energias que se unem e tornam-se todo.
Tampouco imaginei o quão bom seria dormir
Eu e você
Acompanhar a batida do coração
Entorpecer com o cheiro
Com o calor e com a presença
Catalogar sorrisos
Dar risadas
Braços e pernas
Beijos sem fim
Infinitos segundos de felicidade

domingo, 4 de maio de 2014

Fusão de peles

Fusão de peles
Espasmos de querer
Convulsão de corpos

Dia seguinte permanece
Tua pele fundiu-se a minha
Teu cheiro inebria meus sentidos
E enlouquece a minha mente

O gosto do teu suor
teu enlaço
teu gosto
ontem provei

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Como o conforto de um fim de tarde solitário.

Talvez já tenha se passado muito tempo desde os acontecimentos trágicos. Talvez um mês ou um ano. Realmente eu não saberia dizer. Sei apenas que o cair do dia faz-me paulatinamente desligar-me da realidade tangível e flanar pela letárgica torrente da imaginação. De repente a luz começa a se perder no horizonte. Lenta calmaria invade minha mente e uma irresistível sensação inebria os meus sentidos.
A partir disso passo a habitar outra realidade. Já não sou mais senhora do agora. Encontro-me em certa incapacidade de mensurar passado, presente, futuro. Talvez eu esteja habitando o inabitável. Estou explorando virgens pastos. Talvez, agora, eu habite o magnífico espaço do improvável.
Então começo a sentir por perto a imensurável sensação de transcendentalidade. Não passo a flanar por algum mundo espiritual, contudo. Somente sinto o meu corpo entorpecido. Passei a dançar em meio a ondas mecânicas. Ondas de leve batida melancólica e confortante. Quando percebo, estou dançando em sua dor. Estou tragando o doce horror contido em sua voz. Ouço infinitas vezes as mesmas palavras, os mesmos acordes, a mesma história. Porém, cada segundo é uma experiência única. Desesperadamente trago-a. Tento gravá-la em qualquer rascunho desesperado, mas, no instante em que planejei eternizá-la, tua voz retumbou distante. Cada vez mais distante e distante. Até o calar final.
Desesperei-me. Procurei-a em todos os cantos e nada encontrei. Queria falar mais um pouco contigo, talvez convidá-la para tomar um café. Ou fumar uns cigarros. Ou caminhar na chuva. Ou qualquer outra coisa que me fizesse permanecer mais alguns instantes perto de tua dor. Compreendestes?
Não houve nenhuma resposta.
E por fim percebi que o disco da vitrola girava calado. O disco já havia chegado ao fim.
De forma que eu poderia encontrá-la. Infinitas vezes. Apenas precisaria ligar a vitrola, desligar-me da realidade concreta e flanar pelos tangos mentais.
Ao abdicar do eu e dedicar-me a entender o insólito horror do seu lamento, acabei por descobrir muito sobre eu mesma.
Depois uma fina chuva caiu e encheu a terra de amabilidade
Os sinos badalaram
E finalmente o crepúsculo deu lugar a noite
E ao navegar pela sua dor, acabei navegando por minha dor.

Não estou afim

Desculpa, mas acho que não estou afim de você. Sábado foi bastante divertido. Gostei dos beijos, das carícias, das risadas. Gostei do papo. Foi bom estar com você. Acontece que eu quero ficar sozinha, no momento. Ando confusa. Com uma grande preguiça de relacionamentos. Além de que existem mil coisas desenrolando em minha vida. Eu quero ficar só, bem escondidinha em uma concha. Não tenho pressa, não tenho afobação. Amar para mim é devagarinho. Já está um pouco chato ficar inventando desculpas para recusar os seus convites. É chato ter de explicar os problemas familiares, econômicos, existenciais. Sei que não dei abertura e provavelmente nunca darei. Sou livre e não pretendo ficar magoada por simplesmente não estar afim. Não devo satisfações a ninguém, pois eu sou minha, só minha, e não de quem quiser.
Estou indo embora.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Aos duques da Pontifícia.

Pouco ando suportando os apáticos rostos da faculdade. E os semblantes severos dos professores. E o desestímulo para os estudos, rendimento baixo, muitas olheiras, atrasos. Ainda me questiono diariamente os porquês de ainda estar lá. Quando me vejo a contemplar desrazões, tenho vontade de fugir e largar tudo para o alto. Largar todas as inimizades e toda a descrença pesada contida em um ambiente que deveria prover alegrias.Quero que os distintos fidalgos da PUC continuem a relinchar. Pois, continuem a reiterar discursos estapafúrdios. Que continuem a ludibriar e oprimir. Continuem com a mentalidade de classe média sofrida. Que linchem os homossexuais. Queimem as feministas barbadas na fogueira. Joguem lixo no chão -mesmo com uma lixeira à 1m de distância- e esperem que as faxineiras negras limpem a sua porcaria. Defendam a monarquia. Clamem pela polícia militar. Criminalizem os movimentos sociais - coisa de gente vagabunda que não está produzindo mais valia- Exaltem o "milagre econômico" da Ditadura Militar. Escrevam mais textos burros defendendo a pena a morte. Repitam jargões burros "Bandido bom é bandido morto" e outros sensos comuns. Continuem a não estudar sociologia porque não cai na OAB. Continue a ser um tecnocrata de merda que tem preguiça de ler e debater. Não precisa gastar sua energia mental questionando a realidade que o cerca. Isso é atividade de gente à toa e subversiva, vamos lá, temos um concurso para fazer e montanhas de papelada para organizar.
Estou cansada de tanta miséria. Mantenham o maldito status quo. Continuem a fazer partidarismos ao invés de fazer política. Cansei de conviver em meio a tanta sujeira. Cansei de me sentir impotente diante de sua realidade nauseante. Estou indo à Pasárgada. Maldito antro de reacionários, não ousem me seguir. Em berços esplêndidos repousem nos mantos áureos do capital da opressão.

Aos amigos, o sorriso pontual.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Heitor

Heitor então me telefonou e disse que precisava conversar.
Nos últimos dias andei um pouco arisca com ele e concordei.
Em nenhum momento Heitor figurou como pivô de minha chateação.
Pelo contrário, ele muito suavizou momentos trágicos e atrozes dos últimos tempos.
Faltavam poucos dias para o fim da maratona.
Finalmente me veria livre para amá-lo.
Finalmente teria tempo de olhar no espelho e me arrumar.
Teria até tempo para desperdiçar, andar à toa por aí, beber muita cachaça e fumar as cigarrilhas da Café Brasil.
O último mês havia sugado quase todas as minhas energias e, para evitar a grande estapafúrdia que um surto causaria, comecei a surtar em doses homeopáticas: pequenos surtos diários, variações de humor insólitas, grosserias gratuitas.
Caramba, parei minha vida por causa de uma prova, larguei quase todas as coisas das quais eu gostava. Estava cansada, esgotada, extremamente estressada. Olheiras, dores por todo o corpo, humor blasé e displicência perante as pessoas e, principalmente, perante a vida.
Heitor aguentou todas as minhas loucuras e variações de humor e privações de prazer.
Não que Heitor fosse o amor da minha vida e uma paixão alucinante, longe disso.
O seu tempo de permanência foi miúdo. Apreciava a companhia e o trato com ternura. Apreciava as conversas e beijos. Poderia ter o feito um grande amor, mas eu não tive tempo para.
Pois em quase nada conseguia pensar além da prova, creio que devido a isto não pude curtir momentos tão agradáveis com ele.
Antes de amadurecer, o nosso gostar apodreceu. Gostar que esperou tanto, prometeu tanto, sonhou tanto. Inesperadamente, em tenebrosa convergência de energias, mudamos de itinerário e sublimamos no ar.
De certa forma, sucedeu assim o nosso fim. Logo após o telefona, nos encontramos. Apesar do cansaço e da apatia, certa onda remexeu meus órgãos internos. Planejei me desculpar e dizer boas palavras. Todavia, o tempo oportuno não sobreveio e faleceu a partir do momento em que ele disse que não poderia mais ficar.
Recebi um soco no estômago. Golpe covarde. Espasmo desesperado.
Lembro-me que me calei. Foram longos instantes de silêncio e de amargura. Heitor me olhava e seus olhos suplicavam para que eu dissesse qualquer coisa. Porém, eu não disse nada. Simplesmente me calei, disse "Tudo bem".
Por dentro alguma parte bonita estava morrendo. Eu caía em um precipício negro e acabara de espatifar no chão duro e frio. Eu sangrava. Queria gritar a minha dor. Queria gritar até que os berros estancassem as minhas chagas. Queria chorar  e chorar e chorar. Queria esbofetear o seu  rosto. Queria xingar o maldito professor de Empresarial que passou pelo corredor e queria mandar todos os problemas de autoestima, existenciais, profissionais, amorosos para a puta que os pariu. Queria incendiar a maldita depressão. Maldita, maldita, maldita. Dando-me um golpe mais uma vez. Quase poderia ouvir o som de sua risada de escárnio.
Só que eu não disse nada. Me retirei com pés de lã e não olhei para trás. Ao chegar em casa, tive uma crise de choro. Depois eu o odiei e chorei mais um bocado. E o desejei por outros dias seguintes. Disse aos amigos que tudo estava bem, mas no fundo tudo andava um tanto mal.
Mas eu não disse nada.

sábado, 22 de março de 2014

O Nós de outrora.

Talvez eu sinta tanta a sua falta quanto sinto falta do eu que fui um dia. Sabe, certa nostalgia melancólica que bate quando, súbito, você se depara com o reflexo do espelho e não reconhece a figura insólita que o contempla. Pior ainda quando você interrompe toda aquela insuportável sequência de dias iguais e vê que, finalmente, os seus sonhos estão enferrujados.
De repente aqueles planos de nós visitarmos todas os sebos de Paris parece tão intangível e absurdo. E as noites de poesia e cachaça e charutos, os quais cada nova aventura, deliciosamente sublimes, eram deliciosamente desfrutadas, parecem fatalmente improváveis.
Até a improvável paixão não vivida parece banal. Antes, era doloroso viver ao seu lado pensando que jamais saberia a respeito do meu amor sufocado. Terrível era fantasiar um destino partilhado. Fatal fantasia, improvável. Porém, agora, a embriaguez chegou ao fim. Ressaca bem curada após, nova lucidez me contempla e paulatinamente abandono alguns amargos sonhos sonhados.
Eu me lembro perfeitamente quando o conheci. Apesar o encanto inicial, do entrelaçar de energias similares, demoramos certo tempo para ter assunto. Mas, depois, em uma tarde qualquer, começamos a falar sobre poesia. Analisar o mundo, explorar o mundo e debater sobre os mais profundos sentimentos. Acabamos sendo poesia.
Agora abro aquela agenda do ano passado e me assusto com o vejo. Alguns sentimentos são iguais, exatamente iguais. Outros soam estranhos. Talvez seja uma certa sensação de não mais caber em si mesmo. De buscar ir além e acabar sendo além. O sentimento de nostalgia aumenta quando vejo que não somente um ano se passou, mas que nós passamos, também. Lembro-me que os cortes causados pela sequência de desventuras amorosas passou. Que as angústias do desajuste de nossos anseios à trágica realidade, embora ainda insistentes, diminuíram de intensidade. Que nós cansamos de  reclamar e começamos a engatinhar ações.
Nós fomos além.
Porém, aquela folha guardada entre duas páginas de um setembro intenso me lembram que nem faz tanto tempo assim, embora o eu de outrora tenha sublimado por aí. Quando fecho os olhos, lembranças vívidas põem o meu coração em chamas.
E eu tenho tanta saudade.

Três breves desaventuranças e o rapaz mais bonito.

(Des)amores

Rèmi foi o meu frustrante primeiro namorado. Era ortodoxo demais. Cheio de manias e cerceios. Ligava demais para a aparência. Insensível. No fundo suspeitava que desejava ter uma namorada só pra dizer que tinha uma namorada. Me achava emocional demais, intensa demais, carente demais. Ele com o seu pouco tato sapateou em meu amor próprio inexistente. E, no fundo, eu sempre o achei um saco. Porém, por causa da inexperiência, demorei para perceber. Para piorar, beijava mal. Hoje, penso que ele era bissexual. Penso que tinha uma lascívia reprimida por rapazes. Mas era homobófico, conservador, talvez jamais aceite que o desejo é uma força instintiva e incontrolável e que é uma tabu redondamente estúpido castrar as relações entre pessoas do mesmo sexo. Espero que um dia ele se liberte e se jogue nos braços de um boy magia. Pois nós juntos jamais daríamos certo.Todavia, em algum tempo equívoco, eu achei que gostava do sujeito. Chorei noites por causa dele, fiquei tempos ser dar umas bitocas e achei que jamais iria gostar de outra pessoa. Certo tempo após, quando eu me cansei de chorar, apareceu um barbudo na aula de Economia e sacudiu o meu coraçãozinho mutilado. Esqueci-me complemente de Rèmi.
O caso com o barbudo pouco durou. Ainda bem. Ele era machista, cafajeste e bebia muita cachaça. Na primeira oportunidade ele me agarrou e me convidou com a maior cara de safadeza para ir estudar na casa dele (cantada velha e lamentavelmente pouco criativa). Foi bastante frustrante porque eu fiquei semanas idealizando o cara até depois, com muito esforço, tentei manter contato com ele, até que em um belo Bananada ele resolveu me convidar para sair. O barbudo esfacelou os contos Disney que eu cresci achando que eram verossímeis (ainda bem que a desilusão veio). Ele me ensinou muitas coisas, inclusive que eu não tinha amor-próprio e que às vezes caras que parecem legais só querem transar com você e te descartar no dia seguinte. O rapaz também tinha qualidades, claro. Era encantadoramente inteligente, gostava de literatura e zelava pelo bom uso da norma-padrão da língua portuguesa, o que me atraía profundamente. Bonito, porém cafajeste. Encantadoramente charmoso, porém cafajeste. Cafajeste, cafajeste, cafajeste. De qualquer forma, muito fantasiei. Ele me achava geniosa e precoce. Um dia bebi muita vodka e enviei um poema escrito que eu havia escrito para ele em um momento de delírio durante a aula. Não me arrependo, foi engraçado, mas na época eu fiquei mal. Talvez ele tenha me procurado outras vezes, mas mesmo querendo eu fugi para bem longe.
Depois do barbudo eu passei a beber mais cachaça e a querer fumar de vez em quando. Tudo ia indo muito mal, só que, de repente, cansei de me lamentar pelos amargos. Foi a época em que eu saí muito e estudei muito e comecei a intensamente viver, não somente em meu mundo interior,  como de costume, mas comecei a, de fato, viver. A intensamente interagir com o mundo exterior.
François era meu companheiro de farras, livros, angústias, bebidas e cigarros. Nesta época eu já não suportava ficar um dia sem ele. Hoje percebo que sempre o amei. Como amigo ou como namorado, eu o amei. Porém, nada disse. E o tempo foi preguiçosamente se arrastando e a ternura de François foi me curando.
Até que sem muito porquê, Jean Paul apareceu em minha vida. Como um furacão, vertiginosamente me carregou e rapidamente se foi. Deixou grande estrago. Apareceu com seus poemas, com sua alma de poeta, com sua inextinguível crise existencial, com sua sensibilidade e sensualidade, sua intensidade de sentimentos tão compatíveis com os meus. Apareceu com o seu papo manso, com sua argúcia de raciocínio. Suas ideologias, consonantes com a minhas. Jean Paul me lembra dos Movimentos Estudantis e do feminismo. Ele exalava aventura e novidade. Sempre tínhamos papo. Dávamos certo, era muito natural. Por certo tempo acreditei que não existia no mundo alguém tão parecido comigo (doce ilusão). Sua pele morena e febril e todas as atenções me fizeram enternecer de paixão. Até que um dia, sem dar qualquer satisfação, ele se foi. Pertencia ao mundo. Quis acreditar que ele pertencia a mim. Jean Paul queria saborear o mundo. Eu também, porém ao lado dele. Quanta ilusão! Fiquei meio doida, escrevi muitos poemas, chorei, amarguei. Comecei a odiá-lo e a odiar todos os rapazes que apareceram posteriormente. Porém, no fundo, sempre soube que o efêmero era o nós. E que, de maneira ou outra, o nosso breve amor estava fadado a acabar naquela estação.
Até hoje desconfiaria que não me curei do pé na bunda se não existisse François.
Ele me consolava, passava as mãos em meus cabelos e me cobria de doçura.
Não somente pelas desventuras amorosas, embora a gente atinasse a muito refletir sobre o amor, mas por causa de tudo aquilo que ele me fazia sentir, e ser, que me faziam amar François.
Todos os fins de noite nós caíamos na risada quando começávamos a nos questionar sobre os porquês que nos levavam a sempre falar sobre amor.
Apesar de também não ter dado certo, ele me fez não desacreditar em um bocado de coisas.
É o único que eu ainda espero. O único que permaneceu.
Agora ele está do outro lado do oceano,
mas ainda existem razões para que eu me recorde e para que eu o ame diariamente.
François é o moço mais bonito que já conheci em toda a minha vida.

- Escrito em algum momento de profunda e sincera lucidez insana -



quarta-feira, 19 de março de 2014

Encaracolar

Certa noite fria e extasiante,
em meio a uma confusão de anseios delirantes,
quando nada mais esperava daquela noite fustigante,
conheci um belo rapaz moreno de cabelos encaracolados.

Acho que eu gostei dele e ele também gostou de mim.
Gostei do seu porte conceitual,
do cavanhaque sem bigodes,
dos cabelos libertários,
do manso jeito de falar; 
E eu acho que ele gostou da minha meia-calça pin-up.

Ah, tanto faz.
Deixemos as metódicas explicações à ciência.
Gostei mais de falar com o boy sobre Filosofia

Porém, no fundo, nada disso nos interessava.
Em um vertiginoso rodopio caí em seu enlaço,
Provei os seus lábios e habitei o seu abraço.
Gravei o gosto daquele black mentolado
E o feeling de um gostar inesperado.

Paulatinamente fui abandonando minhas defesas.
Mas também quis manter-me como o Itabirano;
Triste, orgulhosa: de ferro.
Ser a antítese do que sou.
É o desatino de quem traz o peito marcado
por amargores de amor.


E, ao mesmo tempo, pensava:
Como pode um rapaz ser tão doce?
Como pode tão mansamente falar?
Ah, moreno, cuidado ao desnudar meu ser
com suas engenhosas mãos delicadas.
Esse feeling está me deixando embriagada.


Baby, o gostar é devagarinho.
E tão urgente quanto o pulsar.
Realmente não sei o que fazer.
Mas você pode sentar-se ao meu lado
Comprar o jornal e vir ver o sol.
Pois nós continuamos a brilhar.




sexta-feira, 7 de março de 2014

Pensei

Pensei que não me adaptaria.
Pensei que para sempre seria refém do que eu queria.
Pensei que jamais conseguiria me libertar do passado
Pensei que o espectro dos outros ainda me afligiria.
Pensei que continuaria incansavelmente a me lamentar
dos fatos que fogem do meu domínio,
escorregam das minhas sôfregas mãos
decompõem-se em infinitas partes
deixam de ser
para, finalmente,
se espatifarem no chão
e tingirem a cerâmica de uma torrente multicolorida.

Pensei que, mas agora eu não penso mais
Compro algum mentolado na esquina e fumo porque tive vontade
Simplesmente porque senti desejo
E quem disse que o fumar precisa de sentido?
Quem disse que o existir exige?
Se tantos sem sentidos flutuam por aí?

Depois, danço na chuva, reflito e fumo mais um cigarro.
Caminho pela metrópole, resoluta, embora meu peito
permaneça cheio de dúvidas e desesperos.
Beijo-te na multidão, hoje, pois amanhã, não sei
Se ainda serei, se estarei e se sentirei.

E caso eu queira partir, não se assuste.
Estou descobrindo o mundo, amor.
Fiz porque quis e quis porque penso.
Penso e desejo.
Mas, amanhã, será?

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Problemática Claustrofóbica

Havia dito à ele a minha verdade mais doída e insana. Verdade esta que teimava em esconder. Mas nem por isso ela deixava de existir. E nem por isso ela deixava de teimosamente pulsar em meu peito, incessantemente, em variadas intensidades:
- Sou triste, meu amigo. Sempre fui e sempre serei. Não se engane com meus sorrisos. Eles disfarçam e entorpecem, sim, mas não deixam de ser tristes. Meu olhar, é triste. Sou tristeza e acho que tudo a minha volta são distrações. Minha vida não tem muito sentido. Nem muitas ilusões tenho mais. A injustiça nem me comove mais. O amor romântico é tão hipócrita. A matéria tão insuportavelmente efêmera.
Disse e não disse. Ele sentia o mesmo, de forma diferente. Soube me ouvir com doçura. Queria desesperadamente me agarrar a ele, como me agarrei aos outros, como me agarro a qualquer coisa que atribua algum sentido a minha existência leviana. Mas ele estava de partida. Sorria tristemente e acenava. Fazíamos planos falidos de viajar à São Paulo, ler poesia e tomarmos vinho todos os dias. Mas ele estava de partida. Assim como os outros. Assim como uma parte minha que vagarosamente se esvaía com a despedida. Assim como as partes do meu ser partido que se desintegraram por aí.
A dor e a tristeza eram iguais. O dia melancólico e silencioso, iguais. Minhas idealizações e sonhos eram uma barreira tão amigável. Sem elas, agora, tudo caminhava amargo e sem cor. Confortavelmente egoísta, paralisada em minha conveniente fortaleza de fel. Sem amor por eles. Sem amor por mim. Os encantadores livros agora me entediam. A mágica arte cinematográfica me dá sono. A casa desordenada me deixa letárgica. Tantos objetos fora do lugar. Parecem zombar da minha patética condição. Me sinto impotente, covarde, frívola. Itinerário volúvel. Realidade fajuta. Tristeza incessante.Estou triste, estou sozinha, estou cansada de todos os novíssimos velhos problemas que nunca consigo solucionar. Estou fatigada desta perspectiva. Estou farta.
Não quero um cartão de crédito. Não quero romances, não quero canções, não quero viagens. Não quero apoio espiritual. Não quero conselhos ou livros de auto-ajuda. Não quero psicoterapia ou antidepressivos. Não quero cerveja. Não quero cigarros. Não quero beijos - com ou sem paixão - com ou sem tesão. Tô tão maluca que nem café, café com chocolate, café com chocolate e poesia andam me comovendo mais.
Estou farta do meu problemático eu.

Magnólia

 Minha pequena grande mulher, tive medo. Tive medo do nosso amor. Saí correndo de nós feito como uma criança amedrontada, adulto covarde. Pois sim, tive medo. E agora estou partindo. Estamos distantes e não há resolução imediata para este litígio. Brilhante raio invade o quarto pela fresta da janela. Me recuso. Aqui por dentro tudo está cinza. Não quero mais viver, Magnólia, as tristes notícias sugaram os últimos suspiros de vitalidade do velho asqueroso e solitário que me tornei. Já perdi muita vida por causa de meus tolos temores. Eu te perdi.
O velho estava largado em uma escrivaninha, que um cinzeiro com muitos pitocos de cigarros, várias garrafas de vinhos, taças quebradas, uma máquina de escrever, com manuscritos de um suposto livro, com páginas escritas, desordenadas, cenário caótico. Ele estava todo amarrotado, com os cabelos despenteados, com um cheiro nauseante de álcool com nicotina. Carregava um semblante desolado, profundamente desesperançoso, olhos profundamente tristes e cheios de lágrimas
A luminosidade do cômodo, revirado por noites seguidas de bebedeira, incrivelmente o ajudou a retomar a lucidez.Talvez não necessariamente o cômodo, ou a luminosidade, ou a ebriedade, não, mas o bilhete que jazia em cima de sua escrivaninha imunda.
Lembranças me sufocam. No fundo, bem lá no fundo, naquela imensidão secreta e infinda do peito, sempre soube que te amei, então, por qual estúpido motivo nunca disse? Céus, por quê? Por qual motivo sempre me calei ao te ver nos braços de outros? Qual insólito sentimento me impediu de ficar ao seu lado? Até o último instante neguei isso para mim. Te procurei em outras mulheres. Fantasiei, pintei, bordei, me distraí quando o que eu de fato desejava, estava ao meu lado. Compartilhamos projetos, sonhos, alegrias, tristezas, problemas, muitos problemas, superamos as adversidades diárias, caminhamos juntos. Mas, agora, pequena, é tarde. Meu peito traz um grito abafado. Onde está você? Não sei a quem recorrer. Magnólia, Magnólia, Magnólia.
Nossas pernas se entrelaçavam nas noites de frio, quando você dormia nos meus braços e trocávamos as confidências secretas. Ouvíamos discos e líamos poesia.Você brincava com meu cabelo, me ordenava fazer o bigode, gostava apenas de quando eu deixava a barba. Tinha opiniões fortes. Adorava ouvi-la, adorava cada peculiaridade do seu gênio complexo, dos seus múltiplos humores. Ah, como eu a adorava, Como eu a adoro. E com o passar do tempo. De moça a mulher, tais características se tornaram cada vez mais interessantes. Beleza instigante, delicada, sensual. Traços exuberantes, ressaltados por sua argúcia mental e inteligência pertinaz. Mulher, se tu pudesse ler os meus pensamentos…Ah, Magnólia, se tu soubesse da loucura deste velho. Será loucura mesmo? Será a solidão? A velhice? Paixão? Amor? Ou todos estes e outros loucos sentimentos misturados a indecifrável condição humana? Francamente, não sei, Magnólia.
O velho suspirou profundamente e acendeu um cigarro. Depois, continuou o intenso monólogo interior. E, agora, me questiono, por qual motivo nem ao menos tentei ficar ao seu lado? Desde que a conheci fui um grande amigo, porém sempre quis mais. Estava apaixonado, perdidamente encantado, passei anos ao seu lado e nunca, nunca, nunca ousei, pois tive medo de te perder. Tanto medo, tanto medo, para que tanto medo assim? Medo de amar? Medo de perder? Te perdi de qualquer jeito.
Por hora, só lembranças. Lembranças. Você. Seus cabelos, pele, pelos, arrepios, lábios, sorrisos, dentes, abraços, braços, mãos, dedos, cheiros, voz, suave voz, cálida voz. Por hora, reminiscências, que lentamente desvanecem e confundem-se em minha mente aflita. Vejo o seu olhar. Ah, o seu olhar. Doce, tenro, majestoso, pueril, divino! Me fitando e dizendo que tudo ficaria bem. O olhar aproxima..e súbito..por instantes você esteve aqui novamente.
Ah, maldito devaneio de minha mente insana. Magnólia, Magnólia, Magnólia. como eu te amei. Magnólia, como eu te amo e como este sentimento abafado em meu peito me sufoca há quarenta anos. Desde aquele sábado primaveril chuvoso em que te conheci. Que dia feliz, que dia feliz!
Porém, agora, ela está distante, muito distante (…)

Doce


"Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão."

domingo, 19 de janeiro de 2014

Aceitar

A parte mais difícil, certamente, é aceitar o afeto que sinto. Aceitar que o amo e fim. Embora por muitas ensaiei em te dizer, por fim, acabei dizendo metades. Tentei demonstrar em algumas sutilezas, mas, mesmo assim, nem palavras, gestos, abraços ou presença poderiam exprimir a tormenta que se formava em meu peito. Minha certeza é que gosto. Gosto e fim. Depois de quase te afastar de mim, por causa de minhas inseguranças, creio que esteja mais lúcida. Preciso de desapego, meu bem. Precisamos. Preciso permanecer assim, sozinha sem estar solitária. Embora tortuoso, posso continuar curtindo da maneira possível a minha vida, sem angústias ou dramas. Traçando os planos e tentando fazer coisas, por mim, que ninguém mais poderia fazer. Estou tentando crescer. É difícil, porém creio hoje estar mais forte do que ontem. Quero deixar o comodismo e a preguiça para lá. As múltiplas queixas e planos infrutíferos. Quero deixar a mulher forte que eu sei que existe dentro do meu íntimo florescer e criar raízes fortes. Tenho aprendido algumas coisas e desejo aprender cada vez mais. Pois sou pequena, pequenina, um ser em infinito aprendizado. E, ah, só receio lhe contar algo: essas coisas não estão nos livros ou revistas ou filmes ou jornais. Tais preciosidades são adquiridas pelo viver. Por constantes monólogos interiores e mudanças de rotina. Pertencem ao mundo sensível e ao mundo das ideias, concomitantemente. São deliciosamente subjetivas. Enfim, desapego, meu bem. Desapego e aceitação. Aceitar que nenhum tempo, por mais extenso que fosse, não seria suficiente para que pudéssemos realizar todos os nossos desejos. E, dessa forma, podemos aproveitar de forma mais doce os momentos que nos são concedidos. Aceitar os meus defeitos e brigar com eles, diariamente. Aceitar o peso acima da média, o corpo fora dos padrões impostos, aceitar que tenho limitações e não deixar que elas me limitem. Aceitar a família que tenho, problemática, desunida, estressada, que ainda é família. Aceitar e aprender que a vida é feita de pequeninos momentos e que não vale a pena perder tais momentos chateada com pequenas coisas que pouco significam e que, na maioria das vezes, fogem do seu controle. E, quanto ao desapego. Bem, tenho observado que amor também é desapego. Também é incondicional. Meu afeto independe de teus gestos. Claro que o quero, o desejo teu abraço, tua presença, teus sorrisos e tuas palavras. Por outro lado não preciso necessitar disso para sobreviver. Posso, muito bem, continuar gostando da mesma forma, mesmo sem a presença física. Já disse que, de alma, permanece aqui comigo. E sempre permanecerá. Pois, verdadeiramente, penso em engolir as saudades, as desatenções, os ciúmes, as idealizações outrora sonhadas. Ciúmes e exclusividade não caem bem, são demasiado pesados, só trazem tristeza.
Assim, meu bem, vá. E venha quando quiser. Não me importa quantas bocas beijou em minha ausência ou por quantas mulheres se enamorou. Não me importa se você ligou para todos menos para mim ou se provavelmente esquecerá o meu aniversário. Sei que é difícil. Especialmente é muito difícil tocá-lo. Sei o quanto quis tocá-lo e embalá-lo em meus braços. Quis tatuar o toque delicado de tuas mãos que apertaram a minhas, no escuro, em um silêncio absoluto. Quis gravar o teu olhar quente, intenso, que vive a me comunicar sem nada dizer. Quis engarrafar o teu cheiro, para que eu o sentisse, às vezes, quando a saudade desatinasse. E, quis, principalmente, sentir o calor do teu corpo próximo ao meu, que tanto quis estar mais próximo, mas que recuou quando te sentia cada vez mais próximo. E quando me vi irresistivelmente vulnerável, com as minhas defesas se reduzindo a pó. Temi perdê-lo, temi perder toda a doçura deste gostar, temi que fugisse, que não compreendesse, temi aceitar que realmente estava apaixonada e não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Por isso nada disse e por isso, hoje, sinto o meu peito sereno. Eu te amo por tudo e por nada. Eu te amo, sem reticências ou “mas”. Gosto e continuarei a gostar, independentemente dos caminhos que iremos tomar. Pois não há nada que eu possa fazer a respeito.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Presença

Cheguei em casa, tranquei a porta, tirei os sapatos. Bebi um suco, respirei, mas deixei as janelas fechadas. Verifiquei o celular: nenhuma mensagem. Depois prostrei em minha cama e saboreei algumas salgadas lágrimas amargas. Olhei para os cantos e contemplei o vazio fatal. Tinha um pouco de tua presença nas cobertas, nos travesseiros, nas roupas jogadas pelos cantos, nos livros, nos bilhetes, nas fotografias. Tudo que era meu inevitavelmente era teu, também, pois havia muito de ti dentro de mim. Dessa forma, com a tua partida, um pedaço meu parecia, de repente, ter se separado de mim. Poderia ele estar contigo ou permanecer, para sempre, perdido por aí.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O desencantar de Lisa

"Você é um mistério pra mim assim como sou um mistério para mim mesma" disse à ele, bruscamente retirando a sua mão pousada na minha e fugindo do seu fitar.
De repente, um reencontro febril, após alguns meses de ausência. Sentia-me incomodada, absurdamente desconfortável. Não estava vibrando com o irrefletido retorno. Pelo contrário, aquela peste trazia consigo uma torrente de reminiscências trágicas e pesares doídos. Sentimentos antitéticos arrebataram o meu peito. Ao mesmo tempo em que queria expulsá-lo do meu quarto,  varre-lo das minhas lembranças, dos sonhos perdidos e anseios pueris; queria deliciar um pouco de sua fortaleza e reviver os caducos planos que certa vez fizemos juntos. Queria exterminar a sua existência e concomitantemente desejava desfrutar o fitar infinito. Sentia cólera e ternura. Saudades e rancor. Queria te dar uns tapas e abraçar-te longamente. “Raios, quem te deu permissão para voltar para a minha vida e preencher o meu sábado deprimente? Vai-te embora, vai-te embora já”  A angústia voltou e sua presença subitamente roubou toda a paz contida em minha solidão.
E ele insistia. Veio cheio de resignação e doçura. Trouxe a manga milhares de arrependimentos e desculpas. Enquanto aquele perfil selvagem e delicado se aproximava de mim, por dentro eu começava a desintegrar-me, como uma rosa que vai sendo desfolhada pétala a pétala. Por segundos pensei que poderia desfalecer.
Contudo o ressentimento falou mais alto. O rancor de sua partida injustificada e a amargura resultante da frustração daquela paixão ainda habitavam o meu peito delirante. Cada frase ia soando mentirosa. Percebi que não ligava para a sua dor. Não dava a mínima para as suas descobertas nos últimos meses. Tanto fazia se tinha finalmente percebido o valor de determinadas pessoas em sua vida. O seu egoísmo é igualmente desprezível quanto o meu. Todavia, assumi-lo, para mim, não mudava nada, absolutamente nada. Lamentar-se do tempo perdido não me comovia. Compreender o ocorrido não significada que eu iria conseguir alcançar a dádiva do perdão. Antes, teria que me perdoar para, depois, lhe perdoar. Analisar o passado e conseguir visualizá-lo de outra perspectiva não significava que eu o quisesse de volta. Pelo contrário, agora, verdadeiramente, qualquer palavra vinda de sua boca nenhum valor tinha para mim. A fatalidade do desencanto deixou o ar daquele ambiente rarefeito. Mal conseguia suportar o perfume do desfalecer da paixão. Queria dizer-te “Tchau, até mais, tenha uma vida boa. Quero-te bem, mas, por favor, não teime em me procurar mais”. Depois sairia correndo sem esperar por qualquer resposta que eu não necessitava. Desceria as escadas bruscamente e correria, correria, correria. Até que toda a claustrofobia daquele infeliz reencontro se dissipasse do meu corpo. Até que todos os antitéticos sentimentos saíssem da minha mente. Até que toda a esquizofrenia da cidade silenciasse. Até que tudo ficasse bem distante e um vácuo atemporal tomasse conta de minha mente e, momentaneamente, a tristeza daquele passado caótico, desaparecesse. Que as atormentadoras reminiscências dos falecidos se dissipasse no ar. Direita, esquerda, direita, esquerda, um, dois, três, quatro. Até que, até que, até que…o antigo amado e a antiga Lisa fossem dissipados da realidade tangível e voltassem a habitar as sombras do meu inconsciente consciente.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Pretérito Imperfeito da Indecisão

Se pudesse, trocaria a canção triste que retumba na vitrola e ressoa irresistível pelas paredes deste apartamento apático.
Se pudesse, lavaria todas as cortinas amareladas, trocaria os lençóis furados e encheria o recinto de perfume, flores e esperança.
Se pudesse sairia todos os dias para passear ao parque, contigo, com sorrisos e fala doce. Não te encheria de desgosto com ataques ranzinzas e amargores. Seria mais compreensiva e amável.
Se pudesse, travaria uma luta feroz e fulminante com meu egoísmo atroz.
Te daria alegrias diariamente. E quando a tristeza surgisse, irresistível, estaria ao teu lado para te fazer um cafuné.
Se pudesse, mudaria eu, você e nos retiraria deste exílio enlouquecedor
que dura quase duas ou duzentas décadas.

Se pudesse, mas eu não posso, querida.
Simplesmente, não consigo, a limitação imobilizou todos os meus membros.
À noite, me contorço, me reviro pelo avesso e, nos confusos momentos em que pareço estar perto de encontrar a solução, ela, intangível, intermitente, se esvai pelos meus dedos. Enlouqueço. Ou talvez nestes pequenos instantes eu fique mais perto da lucidez e nos outros momentos esteja submersa na loucura.
Se eu pudesse, ah, tanto faria. Ou nada faria. Ou teria a ousadia de fazer tudo aquilo que quereria fazer.
Ah, o tempo não perdoa a indecisão.
Se pudesse….
Poderia ser artista e viveria de poesia. Se pudesse correria atrás dos meus sonhos e nem ligaria para tolas expectativas que despejaram em mim e que, estupidamente, aceitei.
Indubitavelmente, se pudesse, seria menos impaciente e nervosa e neurótica.
Se pudesse, aprenderia a me amar. Ignoraria todos os estereótipos imbecis e gostaria mais de mim, até dos defeitos. E, definitivamente, pararia de ligar pra determinada flacidez ou gordura localizada. Ditas horrendas distorções que nada alteram o melhor que possuo, o belo e o duradouro.
Ah, se eu pudesse: amaria triplamente todos que passaram, permanecem ou passarão pela minha vida.
Cuidaria de todos, todos, todos, indistintamente.
Se pudesse, teria me lamentado menos e zelaria mais dos que estão ao meu redor, independentemente se eu precisava de cuidados
Teria tido mais sutileza no trato dos amigos.
Ah, se eu pudesse! Teria conservado mais amigos, teria abraçado os seus problemas e teria enchido os cômodos de presença e sorrisos. Infelizmente, hoje é sábado. Passei o dia, não o vivi. Sem suspiros ou soluços. Nenhuma declaração. Nenhum beijo de de solidão ou de sofreguidão. Nenhuma mensagem ou convite. 
Se pudesse, muito poderia fazer. Mas, hoje, carrego o semblante lúgubre e a infinda solidão que sempre carreguei comigo. Hoje, sou funcionária pública. Com olheiras de tédio e inexoráveis rugas de indecisão.