sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Apenas

Meu nome é Cerrado. Sou o segundo maior bioma do Brasil em extensão. Estou espalhado por dez unidades federativas. Sou bravo e guerreiro. Meus troncos retorcidos retratam minha história. O meu tesouro inestimável, sem lastro, são meus frutos. Pequi, mangaba, buriti. Todos feitos para colorir às paisagens e alimentar os que tem fome. Nunca me importei em dividir meus tesouros. E durante muito tempo a minha relação com os seres humanos foi harmônica. Entretanto, a realidade é outra. Os tempos modernos são assustadores. O progresso possui um lado perverso. O dinheiro cegou os homens. Arrastou-os em uma avalanche de hipocrisia e superficialidade. E agora todos encontram-se cegos. Perdidos em suas misérias. Reféns do vazio de seus corações. Escravos de sua ambição. Sedentos, eles destroem tudo o que encontram pela frente. Inclusive à mim. Uma avermelhada e espessa camada avança sobre à mata. Seu cheiro é mórbido. E assim morro aos poucos. Em pequeníssimas doses homeopáticas. O estado de desequilíbrio instala-se por toda parte. Clamo por misericórdia, mas a única coisa que ouço em resposta são os gemidos de motosserras. E ao fundo ouço as gargalhadas de escárnio dos ruralistas, que sabem apenas calcular os lucros que virão da “Nova Fronteira Agrícola”. Antas, capivaras, lobos-guará, tamanduás seguem sua marcha rumo à um destino errante. As nascentes são bombardeadas por dejetos e adoecem aos poucos. Em pouco tempo não poderei saciar a sede de todos. O futuro é incerto. Caros humanos tenham complacência. Coloquem-se em meu lugar. Não pensem que à minha morte não trará efeitos irreversíveis. Olhem à sua volta. Algumas transformações já são evidentes. Retifiquem suas condutas, antes que seja tarde demais.