domingo, 9 de fevereiro de 2014

Problemática Claustrofóbica

Havia dito à ele a minha verdade mais doída e insana. Verdade esta que teimava em esconder. Mas nem por isso ela deixava de existir. E nem por isso ela deixava de teimosamente pulsar em meu peito, incessantemente, em variadas intensidades:
- Sou triste, meu amigo. Sempre fui e sempre serei. Não se engane com meus sorrisos. Eles disfarçam e entorpecem, sim, mas não deixam de ser tristes. Meu olhar, é triste. Sou tristeza e acho que tudo a minha volta são distrações. Minha vida não tem muito sentido. Nem muitas ilusões tenho mais. A injustiça nem me comove mais. O amor romântico é tão hipócrita. A matéria tão insuportavelmente efêmera.
Disse e não disse. Ele sentia o mesmo, de forma diferente. Soube me ouvir com doçura. Queria desesperadamente me agarrar a ele, como me agarrei aos outros, como me agarro a qualquer coisa que atribua algum sentido a minha existência leviana. Mas ele estava de partida. Sorria tristemente e acenava. Fazíamos planos falidos de viajar à São Paulo, ler poesia e tomarmos vinho todos os dias. Mas ele estava de partida. Assim como os outros. Assim como uma parte minha que vagarosamente se esvaía com a despedida. Assim como as partes do meu ser partido que se desintegraram por aí.
A dor e a tristeza eram iguais. O dia melancólico e silencioso, iguais. Minhas idealizações e sonhos eram uma barreira tão amigável. Sem elas, agora, tudo caminhava amargo e sem cor. Confortavelmente egoísta, paralisada em minha conveniente fortaleza de fel. Sem amor por eles. Sem amor por mim. Os encantadores livros agora me entediam. A mágica arte cinematográfica me dá sono. A casa desordenada me deixa letárgica. Tantos objetos fora do lugar. Parecem zombar da minha patética condição. Me sinto impotente, covarde, frívola. Itinerário volúvel. Realidade fajuta. Tristeza incessante.Estou triste, estou sozinha, estou cansada de todos os novíssimos velhos problemas que nunca consigo solucionar. Estou fatigada desta perspectiva. Estou farta.
Não quero um cartão de crédito. Não quero romances, não quero canções, não quero viagens. Não quero apoio espiritual. Não quero conselhos ou livros de auto-ajuda. Não quero psicoterapia ou antidepressivos. Não quero cerveja. Não quero cigarros. Não quero beijos - com ou sem paixão - com ou sem tesão. Tô tão maluca que nem café, café com chocolate, café com chocolate e poesia andam me comovendo mais.
Estou farta do meu problemático eu.

Magnólia

 Minha pequena grande mulher, tive medo. Tive medo do nosso amor. Saí correndo de nós feito como uma criança amedrontada, adulto covarde. Pois sim, tive medo. E agora estou partindo. Estamos distantes e não há resolução imediata para este litígio. Brilhante raio invade o quarto pela fresta da janela. Me recuso. Aqui por dentro tudo está cinza. Não quero mais viver, Magnólia, as tristes notícias sugaram os últimos suspiros de vitalidade do velho asqueroso e solitário que me tornei. Já perdi muita vida por causa de meus tolos temores. Eu te perdi.
O velho estava largado em uma escrivaninha, que um cinzeiro com muitos pitocos de cigarros, várias garrafas de vinhos, taças quebradas, uma máquina de escrever, com manuscritos de um suposto livro, com páginas escritas, desordenadas, cenário caótico. Ele estava todo amarrotado, com os cabelos despenteados, com um cheiro nauseante de álcool com nicotina. Carregava um semblante desolado, profundamente desesperançoso, olhos profundamente tristes e cheios de lágrimas
A luminosidade do cômodo, revirado por noites seguidas de bebedeira, incrivelmente o ajudou a retomar a lucidez.Talvez não necessariamente o cômodo, ou a luminosidade, ou a ebriedade, não, mas o bilhete que jazia em cima de sua escrivaninha imunda.
Lembranças me sufocam. No fundo, bem lá no fundo, naquela imensidão secreta e infinda do peito, sempre soube que te amei, então, por qual estúpido motivo nunca disse? Céus, por quê? Por qual motivo sempre me calei ao te ver nos braços de outros? Qual insólito sentimento me impediu de ficar ao seu lado? Até o último instante neguei isso para mim. Te procurei em outras mulheres. Fantasiei, pintei, bordei, me distraí quando o que eu de fato desejava, estava ao meu lado. Compartilhamos projetos, sonhos, alegrias, tristezas, problemas, muitos problemas, superamos as adversidades diárias, caminhamos juntos. Mas, agora, pequena, é tarde. Meu peito traz um grito abafado. Onde está você? Não sei a quem recorrer. Magnólia, Magnólia, Magnólia.
Nossas pernas se entrelaçavam nas noites de frio, quando você dormia nos meus braços e trocávamos as confidências secretas. Ouvíamos discos e líamos poesia.Você brincava com meu cabelo, me ordenava fazer o bigode, gostava apenas de quando eu deixava a barba. Tinha opiniões fortes. Adorava ouvi-la, adorava cada peculiaridade do seu gênio complexo, dos seus múltiplos humores. Ah, como eu a adorava, Como eu a adoro. E com o passar do tempo. De moça a mulher, tais características se tornaram cada vez mais interessantes. Beleza instigante, delicada, sensual. Traços exuberantes, ressaltados por sua argúcia mental e inteligência pertinaz. Mulher, se tu pudesse ler os meus pensamentos…Ah, Magnólia, se tu soubesse da loucura deste velho. Será loucura mesmo? Será a solidão? A velhice? Paixão? Amor? Ou todos estes e outros loucos sentimentos misturados a indecifrável condição humana? Francamente, não sei, Magnólia.
O velho suspirou profundamente e acendeu um cigarro. Depois, continuou o intenso monólogo interior. E, agora, me questiono, por qual motivo nem ao menos tentei ficar ao seu lado? Desde que a conheci fui um grande amigo, porém sempre quis mais. Estava apaixonado, perdidamente encantado, passei anos ao seu lado e nunca, nunca, nunca ousei, pois tive medo de te perder. Tanto medo, tanto medo, para que tanto medo assim? Medo de amar? Medo de perder? Te perdi de qualquer jeito.
Por hora, só lembranças. Lembranças. Você. Seus cabelos, pele, pelos, arrepios, lábios, sorrisos, dentes, abraços, braços, mãos, dedos, cheiros, voz, suave voz, cálida voz. Por hora, reminiscências, que lentamente desvanecem e confundem-se em minha mente aflita. Vejo o seu olhar. Ah, o seu olhar. Doce, tenro, majestoso, pueril, divino! Me fitando e dizendo que tudo ficaria bem. O olhar aproxima..e súbito..por instantes você esteve aqui novamente.
Ah, maldito devaneio de minha mente insana. Magnólia, Magnólia, Magnólia. como eu te amei. Magnólia, como eu te amo e como este sentimento abafado em meu peito me sufoca há quarenta anos. Desde aquele sábado primaveril chuvoso em que te conheci. Que dia feliz, que dia feliz!
Porém, agora, ela está distante, muito distante (…)

Doce


"Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão."