domingo, 19 de janeiro de 2014

Aceitar

A parte mais difícil, certamente, é aceitar o afeto que sinto. Aceitar que o amo e fim. Embora por muitas ensaiei em te dizer, por fim, acabei dizendo metades. Tentei demonstrar em algumas sutilezas, mas, mesmo assim, nem palavras, gestos, abraços ou presença poderiam exprimir a tormenta que se formava em meu peito. Minha certeza é que gosto. Gosto e fim. Depois de quase te afastar de mim, por causa de minhas inseguranças, creio que esteja mais lúcida. Preciso de desapego, meu bem. Precisamos. Preciso permanecer assim, sozinha sem estar solitária. Embora tortuoso, posso continuar curtindo da maneira possível a minha vida, sem angústias ou dramas. Traçando os planos e tentando fazer coisas, por mim, que ninguém mais poderia fazer. Estou tentando crescer. É difícil, porém creio hoje estar mais forte do que ontem. Quero deixar o comodismo e a preguiça para lá. As múltiplas queixas e planos infrutíferos. Quero deixar a mulher forte que eu sei que existe dentro do meu íntimo florescer e criar raízes fortes. Tenho aprendido algumas coisas e desejo aprender cada vez mais. Pois sou pequena, pequenina, um ser em infinito aprendizado. E, ah, só receio lhe contar algo: essas coisas não estão nos livros ou revistas ou filmes ou jornais. Tais preciosidades são adquiridas pelo viver. Por constantes monólogos interiores e mudanças de rotina. Pertencem ao mundo sensível e ao mundo das ideias, concomitantemente. São deliciosamente subjetivas. Enfim, desapego, meu bem. Desapego e aceitação. Aceitar que nenhum tempo, por mais extenso que fosse, não seria suficiente para que pudéssemos realizar todos os nossos desejos. E, dessa forma, podemos aproveitar de forma mais doce os momentos que nos são concedidos. Aceitar os meus defeitos e brigar com eles, diariamente. Aceitar o peso acima da média, o corpo fora dos padrões impostos, aceitar que tenho limitações e não deixar que elas me limitem. Aceitar a família que tenho, problemática, desunida, estressada, que ainda é família. Aceitar e aprender que a vida é feita de pequeninos momentos e que não vale a pena perder tais momentos chateada com pequenas coisas que pouco significam e que, na maioria das vezes, fogem do seu controle. E, quanto ao desapego. Bem, tenho observado que amor também é desapego. Também é incondicional. Meu afeto independe de teus gestos. Claro que o quero, o desejo teu abraço, tua presença, teus sorrisos e tuas palavras. Por outro lado não preciso necessitar disso para sobreviver. Posso, muito bem, continuar gostando da mesma forma, mesmo sem a presença física. Já disse que, de alma, permanece aqui comigo. E sempre permanecerá. Pois, verdadeiramente, penso em engolir as saudades, as desatenções, os ciúmes, as idealizações outrora sonhadas. Ciúmes e exclusividade não caem bem, são demasiado pesados, só trazem tristeza.
Assim, meu bem, vá. E venha quando quiser. Não me importa quantas bocas beijou em minha ausência ou por quantas mulheres se enamorou. Não me importa se você ligou para todos menos para mim ou se provavelmente esquecerá o meu aniversário. Sei que é difícil. Especialmente é muito difícil tocá-lo. Sei o quanto quis tocá-lo e embalá-lo em meus braços. Quis tatuar o toque delicado de tuas mãos que apertaram a minhas, no escuro, em um silêncio absoluto. Quis gravar o teu olhar quente, intenso, que vive a me comunicar sem nada dizer. Quis engarrafar o teu cheiro, para que eu o sentisse, às vezes, quando a saudade desatinasse. E, quis, principalmente, sentir o calor do teu corpo próximo ao meu, que tanto quis estar mais próximo, mas que recuou quando te sentia cada vez mais próximo. E quando me vi irresistivelmente vulnerável, com as minhas defesas se reduzindo a pó. Temi perdê-lo, temi perder toda a doçura deste gostar, temi que fugisse, que não compreendesse, temi aceitar que realmente estava apaixonada e não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Por isso nada disse e por isso, hoje, sinto o meu peito sereno. Eu te amo por tudo e por nada. Eu te amo, sem reticências ou “mas”. Gosto e continuarei a gostar, independentemente dos caminhos que iremos tomar. Pois não há nada que eu possa fazer a respeito.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Presença

Cheguei em casa, tranquei a porta, tirei os sapatos. Bebi um suco, respirei, mas deixei as janelas fechadas. Verifiquei o celular: nenhuma mensagem. Depois prostrei em minha cama e saboreei algumas salgadas lágrimas amargas. Olhei para os cantos e contemplei o vazio fatal. Tinha um pouco de tua presença nas cobertas, nos travesseiros, nas roupas jogadas pelos cantos, nos livros, nos bilhetes, nas fotografias. Tudo que era meu inevitavelmente era teu, também, pois havia muito de ti dentro de mim. Dessa forma, com a tua partida, um pedaço meu parecia, de repente, ter se separado de mim. Poderia ele estar contigo ou permanecer, para sempre, perdido por aí.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O desencantar de Lisa

"Você é um mistério pra mim assim como sou um mistério para mim mesma" disse à ele, bruscamente retirando a sua mão pousada na minha e fugindo do seu fitar.
De repente, um reencontro febril, após alguns meses de ausência. Sentia-me incomodada, absurdamente desconfortável. Não estava vibrando com o irrefletido retorno. Pelo contrário, aquela peste trazia consigo uma torrente de reminiscências trágicas e pesares doídos. Sentimentos antitéticos arrebataram o meu peito. Ao mesmo tempo em que queria expulsá-lo do meu quarto,  varre-lo das minhas lembranças, dos sonhos perdidos e anseios pueris; queria deliciar um pouco de sua fortaleza e reviver os caducos planos que certa vez fizemos juntos. Queria exterminar a sua existência e concomitantemente desejava desfrutar o fitar infinito. Sentia cólera e ternura. Saudades e rancor. Queria te dar uns tapas e abraçar-te longamente. “Raios, quem te deu permissão para voltar para a minha vida e preencher o meu sábado deprimente? Vai-te embora, vai-te embora já”  A angústia voltou e sua presença subitamente roubou toda a paz contida em minha solidão.
E ele insistia. Veio cheio de resignação e doçura. Trouxe a manga milhares de arrependimentos e desculpas. Enquanto aquele perfil selvagem e delicado se aproximava de mim, por dentro eu começava a desintegrar-me, como uma rosa que vai sendo desfolhada pétala a pétala. Por segundos pensei que poderia desfalecer.
Contudo o ressentimento falou mais alto. O rancor de sua partida injustificada e a amargura resultante da frustração daquela paixão ainda habitavam o meu peito delirante. Cada frase ia soando mentirosa. Percebi que não ligava para a sua dor. Não dava a mínima para as suas descobertas nos últimos meses. Tanto fazia se tinha finalmente percebido o valor de determinadas pessoas em sua vida. O seu egoísmo é igualmente desprezível quanto o meu. Todavia, assumi-lo, para mim, não mudava nada, absolutamente nada. Lamentar-se do tempo perdido não me comovia. Compreender o ocorrido não significada que eu iria conseguir alcançar a dádiva do perdão. Antes, teria que me perdoar para, depois, lhe perdoar. Analisar o passado e conseguir visualizá-lo de outra perspectiva não significava que eu o quisesse de volta. Pelo contrário, agora, verdadeiramente, qualquer palavra vinda de sua boca nenhum valor tinha para mim. A fatalidade do desencanto deixou o ar daquele ambiente rarefeito. Mal conseguia suportar o perfume do desfalecer da paixão. Queria dizer-te “Tchau, até mais, tenha uma vida boa. Quero-te bem, mas, por favor, não teime em me procurar mais”. Depois sairia correndo sem esperar por qualquer resposta que eu não necessitava. Desceria as escadas bruscamente e correria, correria, correria. Até que toda a claustrofobia daquele infeliz reencontro se dissipasse do meu corpo. Até que todos os antitéticos sentimentos saíssem da minha mente. Até que toda a esquizofrenia da cidade silenciasse. Até que tudo ficasse bem distante e um vácuo atemporal tomasse conta de minha mente e, momentaneamente, a tristeza daquele passado caótico, desaparecesse. Que as atormentadoras reminiscências dos falecidos se dissipasse no ar. Direita, esquerda, direita, esquerda, um, dois, três, quatro. Até que, até que, até que…o antigo amado e a antiga Lisa fossem dissipados da realidade tangível e voltassem a habitar as sombras do meu inconsciente consciente.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Pretérito Imperfeito da Indecisão

Se pudesse, trocaria a canção triste que retumba na vitrola e ressoa irresistível pelas paredes deste apartamento apático.
Se pudesse, lavaria todas as cortinas amareladas, trocaria os lençóis furados e encheria o recinto de perfume, flores e esperança.
Se pudesse sairia todos os dias para passear ao parque, contigo, com sorrisos e fala doce. Não te encheria de desgosto com ataques ranzinzas e amargores. Seria mais compreensiva e amável.
Se pudesse, travaria uma luta feroz e fulminante com meu egoísmo atroz.
Te daria alegrias diariamente. E quando a tristeza surgisse, irresistível, estaria ao teu lado para te fazer um cafuné.
Se pudesse, mudaria eu, você e nos retiraria deste exílio enlouquecedor
que dura quase duas ou duzentas décadas.

Se pudesse, mas eu não posso, querida.
Simplesmente, não consigo, a limitação imobilizou todos os meus membros.
À noite, me contorço, me reviro pelo avesso e, nos confusos momentos em que pareço estar perto de encontrar a solução, ela, intangível, intermitente, se esvai pelos meus dedos. Enlouqueço. Ou talvez nestes pequenos instantes eu fique mais perto da lucidez e nos outros momentos esteja submersa na loucura.
Se eu pudesse, ah, tanto faria. Ou nada faria. Ou teria a ousadia de fazer tudo aquilo que quereria fazer.
Ah, o tempo não perdoa a indecisão.
Se pudesse….
Poderia ser artista e viveria de poesia. Se pudesse correria atrás dos meus sonhos e nem ligaria para tolas expectativas que despejaram em mim e que, estupidamente, aceitei.
Indubitavelmente, se pudesse, seria menos impaciente e nervosa e neurótica.
Se pudesse, aprenderia a me amar. Ignoraria todos os estereótipos imbecis e gostaria mais de mim, até dos defeitos. E, definitivamente, pararia de ligar pra determinada flacidez ou gordura localizada. Ditas horrendas distorções que nada alteram o melhor que possuo, o belo e o duradouro.
Ah, se eu pudesse: amaria triplamente todos que passaram, permanecem ou passarão pela minha vida.
Cuidaria de todos, todos, todos, indistintamente.
Se pudesse, teria me lamentado menos e zelaria mais dos que estão ao meu redor, independentemente se eu precisava de cuidados
Teria tido mais sutileza no trato dos amigos.
Ah, se eu pudesse! Teria conservado mais amigos, teria abraçado os seus problemas e teria enchido os cômodos de presença e sorrisos. Infelizmente, hoje é sábado. Passei o dia, não o vivi. Sem suspiros ou soluços. Nenhuma declaração. Nenhum beijo de de solidão ou de sofreguidão. Nenhuma mensagem ou convite. 
Se pudesse, muito poderia fazer. Mas, hoje, carrego o semblante lúgubre e a infinda solidão que sempre carreguei comigo. Hoje, sou funcionária pública. Com olheiras de tédio e inexoráveis rugas de indecisão.