quarta-feira, 31 de julho de 2013

Efêmero



Após alguns movimentos mecânicos, um insólito espectro no espelho do banheiro, o fez parar. Silenciou e analisou. Infinitos curtas vagueavam por sua mente angustiada. Aquele semblante abatido no espelho lhe causara qualquer sentimento reverso. Após uma vertiginosa sucessão de horas irrefletidas - talvez dias, talvez semanas - certa lucidez parecia, finalmente, pairar pela densa atmosfera daquele cômodo sombrio. Abriu com certo receio a torneira e permaneceu alguns infinitos instantes o movimento incessante. Depois, encheu as mãos com um bocado de água. Molhou o rosto. E pensou, pensou, pensou, pensou. Em tudo. Em nada.
Dias e dores. Incertezas e decepções. Gritos abafados. Lágrimas sufocadas. Palavras - tão necessárias - evitadas. Foi-se levando. A situação adversa tornou-se rotina. Enfeitá-la com formosas máscaras foi incluso no procedimento padrão. Sorrisos demagogos e poses previamente calculadas. Os espectadores mais desatentos não perceberam que a efervescência ocorria nos bastidores. Os desatentos se deixaram enganar pelas aparências. Deram audiência para o próprio fracasso e disponibilizaram o seu ardor, de bom grado, ao inimigo sanguessuga. Sua vaidade os traiu. Alguns acordavam. Outros passavam o resto da vida enfeitiçados.
Certamente, ao observar a sua languidez no espelho, seus olhos estupefatos denunciaram que algo muito contrário a sua essência, parecia, pouco a pouco, tomar conta de todo o seu ser. Grande tristeza o abateu. Não se reconhecia mais no espelho. Quem era aquele, afinal? Discursos estranhos retumbavam em sua mente. Aquelas palavras pareciam sair de forma equivocada. Em perfeita consciência jamais diria tais tolices. Porém, aqueles flashes o denunciavam. Ele que bradara tudo. O "eu" de hoje. Por outro lado, o restante do "eu" de antes, reprovava, veementemente, todas as últimas palavras - e condutas - absurdas.
Caminhava sozinho. Sem objetivos e muitas perspectivas futuras. Enamorado pelas frivolidades. Escravo das efemeridades. Inicialmente, um gosto doce. Delicioso, apaixonante. Um aroma inebriante, inevitável. Quando você vê, já está envolvido dança de na cigana. Como um furacão, deixa grande desordem por onde passa.
Ele sentia, de repente, todo o peso de suas escolhas maléficas. Parecia caminhar em vários caminhos opostos, concomitantemente, até perceber que, perdera-se da estrada e encontrava-se, sozinho, caminhando em círculos. Tentando retornar a trilha. Tentando escolher aquele caminho menos tenebroso.
Por fim lembrou-se que antes também era descontente. Então desligou a luz do banheiro. Contemplou a lua e tragou o silêncio da madrugada. E respirou lentamente.

22/06/13

terça-feira, 30 de julho de 2013

Desvanecer

Entre o permanecer convicta
E o fatídico adeus
Navego distraída
E atenta

Despi-me daquelas horrendas expectativas
Observei a vida
Senti os mesmos cheiros
E os mesmos gostos
De formas distintas das habituais

Desfrutei de minha companhia
Percebi que os semblantes tristes
Naquela noite, não tinham influência alguma
Sobre os meus pretensiosos
E ingênuos planos

Pintei a boca, vesti-me de eu mesma?
Ou talvez
Vesti-me de quem quereria acreditar
Ou em algo que aspiro transformar-me

Dia seguinte, porém
Veio-me a consciência de que não se pode podar todas
Aquelas idealizações há certo tempo criadas
E afetuosamente alimentadas

Ao tentar me livrar delas
Descobri
Inevitável é que outras surjam
Expectativas, em doses homeopáticas
São frutíferas
O problema está
Quando as invento em demasia
Vivia em constante agonia
Vítima de uma infinda overdose de expectativas

Pois existe muita coisa
Entre o permanecer atenta,
Distraída
E o certeiro, fatídico e lastimável:
Adeus.

Existe um ciclo inexorável
Uma torrente irresistível
Sequência periódica e
Enfadonha

O único ser capaz de cessar
O incessante
De decidir e permitir
A delonga dos desvarios
É você
Nós?

15/07/2013 

Pequeníssima crônica

Então o velho, por debaixo de seus óculos, observou um descrente triste moço deitado no banco da praça. O velho encantava-se com o espetáculo da vida. Tragava o agora, revivia o ontem com doçura e o amanhã...Ah, este é incerto. Dessa maneira, deixava as impossibilidades de lado. Assim, ser feliz, no presente, era imperioso. Afinal ele não tinha certeza do tempo que ainda teria de vida. Já o moço, por outro lado, andava cheio de caraminholas na cabeça. Ansiando o impossível. Estipulando condições efêmeras para a sua felicidade: Serei feliz quando: quando tiver dinheiro para, quando obtiver tal status, quando ter o meu trabalho reconhecido,quando me enquadrar em algum estúpido estereótipo...Quando, quando, quando. Condição desleal. E de tantos tantos ele ia deixando de aproveitar o agora. O "quando" era sua prisão. Um vício que tragava furiosamente a sua juventude.
O velho percebeu a aura de pesar do jovem e vagarosamente caminhou em sua direção. Sentou-se ao seu lado. Colheu uma flor e ofereceu ao jovem:
- Meu caro, só lhe peço uma coisa: independente das amarguras, seja feliz hoje. Esqueça destas impossibilidades pequenas que viraram monstros aí dentro do seu peito. Viva! 
O jovem o fitou em silêncio. Um tanto surpreso, observou a delicadeza da flor. Aos poucos o seu semblante fantasmagórico foi incorporando cor. Depois, contemplou o infinito. Abaixou a cabeça e refletiu. O velho observava, apenas. Os questionamentos deveriam ser feitos pelo próprio moço, a partir da análise suas atitudes. Minutos depois, o velho quebrou o silêncio:
- Preciso ir. Espero não ter te ofendido. Perdoe a minha ousadia. Sabia que ainda acredito nas pessoas? Acredito na bondade, no amor e na poesia. Acreditarei, sempre, em um futuro melhor. Serei eternamente jovem. Doravante, os outros buscam a solução para a minha loucura. Já eu vou desfrutando loucamente da minha incurável patologia. 
Os olhos do velho e do moço encontraram-se . Nem mil palavras poderiam dizer o quanto aqueles olhares transmitiram um ao outro. 
Por fim, o velho levantou-se e saiu. Flanando pelos jardins da Metrópole furiosa. E o moço. Bem, o moço pôs-se a caminhar sonolento e atento. Quem sabe, dessa vez, acordaria do sono em que estava submerso.

18/07/2013 - Inspirada em uma carta que recebi

Estranho e sofrível período de transição

Começa pelo fim

Este é um tempo de talvez. De abstração e pouca perspectiva. Muita hesitação e pouca ação. Ceticismo e intolerância são as palavras que sintetizam o seu discurso. É um tempo de monólogos e pouco rendimento intelectual. Certa vez o poeta Renato Russo disse sabiamente que em dias tão estranhos (como estes) a poeira fica se escondendo pelos cantos. Essa frase ilustra a atual condição, embora a música mais pertinente para tentar caracterizar esse momento seria “Eu era um lobisomem juvenil”. Contudo, seria inadequado citar a música inteira.

É, a poeira. A quase invisível torrente composta por infinitas partículas. Essa indesejável companheira simboliza todo o passado que teimo em reviver. Diariamente. E aos poucos, dia após dia, vou deixando todos os meus castelos e cavalos brancos. Não necessariamente por uma vontade. Simplesmente porque a aspereza da atual triste realidade me obrigam à.

Passo a maior parte do meu tempo dedicando-me a devaneios e abstrações. De fato, sempre fui introspectiva. Entretanto, a introspecção tornou-se a minha melhor amiga. Parece estar agora inerente à mim. Como se essa exacerbada reflexão na maioria das vezes não-proveitosa fosse condição necessária a sobrevivência do ser.

Há também um patológico descontentamento. Rabugices gratuitas e um desânimo lamentável até para as coisas que antes traziam alegria. A vida está cinza. Fria, sem fragrância ou paladar. A irresistível onda deletéria rouba um pouco da vitalidade das coisas. E parece sutilmente sugar a juventude e as ilusões doces, imensuráveis doces ilusões.

Lágrimas amargas rolam por sua face, diariamente. Por se sentir mal por estar mal, você acaba se afastando dos seus amigos. A solidão a partir de agora deixa de ser opção e assume o caráter de irrevogável condição. Chega de lamentações. Invente e depois legitime a sua autossuficiência. Chegou a hora de crescer. Aprenda a lidar com os seus problemas. Amadureça. Reflita prolixamente sobre os seus estúpidos erros e por favor: aprenda. Não deixe mais o coração e a ingenuidade te dizerem o contrário. Adestre a sua carência e fabrique a sua armadura. Não demonstre a sua vulnerabilidade. Se você está agora perdida e sem esperança, se essas lágrimas amargas insistem em rolar e se esse último mês foi um tanto dadaísta, é por sua culpa. Por opção e descuido seu. Então, por mais trabalhoso que seja, mude. Você está proibida de entregar-se à inércia. Chore, quantas vezes quiser. Mas depois reflita sobre. Autocrítica, mulher. Sobre você e sobre as coisas que te atormentam. E por fim, questione-se: será que tudo isso é necessário?
Não demore muito para descobrir essa resposta. Afinal, a nova fase da sua vida está te esperando. Sorrindo e mandando primaveras à você. Todavia, o capítulo não irá se iniciar enquanto o outro não for totalmente encerrado. Por hora, despreze as vírgulas. Faça brevemente as últimas considerações e tenha a ousadia de colocar o certeiro ponto. Final.


Onze meses antes

Às seis horas da manhã o despertador estridente anuncia mais um dia de luta. Uma habitual sonolência apodera-se de seu corpo que já amanhece dolorido. Obviamente as cinco horas não são suficientes para o pleno descanso. Primeiramente ela saboreia o sabor da manhã. Logo depois ela ignora a adversidade e impetuosamente pula da cama. Pois ela sabe que se delongar acabará por dormir novamente.
Anda desalinhadamente até o banheiro. Examina-se no espelho. Olheiras, cabelos desgrenhados e sobrancelhas por fazer a encaram. Ela ignora e toma o seu revigorante banho. Depois veste o seu uniforme, coloca um tênis confortável, amarra os cabelos e pega a sua mochila. Agora sim ela está preparada para enfrentar o dia.

Texto escrito em alguma amarga e trágica noite do mês de fevereiro ou março


Desatinar



Ando tão distraída
que me peguei
pensando em você
e nos desvarios
que poderia
lhe dizer
Desatinei, então
a planejar um bocado
E a deliciar, pela última vez
e sempre
o gosto do seu beijo antitético
Amiúde, buscar
A essência rara do seu hálito febril
S-o-r-r-a-t-e-i-r-a-m-e-n-t-e, investigar
Observo à distância
Fito, furtivamente
na ânsia de captar
qualquer detalhe-chave
Confesso,
encantei-me
com a aura silenciosa de sua mente inquieta
Barba, óculos escuros
Tão inacessível
Rapaz mistério, conte-me seus segredos
Onde encontram-se as chaves?
Como faço para transpor
o intransponível?
Depois, bradei, resoluta:
Deixa disso, mulher
Tomei um porre de realidade
E acreditei na impossibilidade
Bastou, porém, apenas
a sua chegada
para que tudo
mudasse
Sua presença etérea
Fez-me esquecer
de tudo que eu quereria
de todos os passos
diligentemente planejados
Por fim, idealizações
doses intravenosas de ilusões
Quanta imprudência!
Deliciosa imprudência.
Talvez seja apenas mais um
de inúmeros outros questionamentos
genuinamente
desprovidos de resposta
Por isso, me despeço
E transformo o meu afeto
em verso.
14/06/2013