Após alguns movimentos mecânicos, um insólito espectro no espelho do banheiro, o fez parar. Silenciou e analisou. Infinitos curtas vagueavam por sua mente angustiada. Aquele semblante abatido no espelho lhe causara qualquer sentimento reverso. Após uma vertiginosa sucessão de horas irrefletidas - talvez dias, talvez semanas - certa lucidez parecia, finalmente, pairar pela densa atmosfera daquele cômodo sombrio. Abriu com certo receio a torneira e permaneceu alguns infinitos instantes o movimento incessante. Depois, encheu as mãos com um bocado de água. Molhou o rosto. E pensou, pensou, pensou, pensou. Em tudo. Em nada.
Dias e dores. Incertezas e decepções. Gritos abafados. Lágrimas sufocadas. Palavras - tão necessárias - evitadas. Foi-se levando. A situação adversa tornou-se rotina. Enfeitá-la com formosas máscaras foi incluso no procedimento padrão. Sorrisos demagogos e poses previamente calculadas. Os espectadores mais desatentos não perceberam que a efervescência ocorria nos bastidores. Os desatentos se deixaram enganar pelas aparências. Deram audiência para o próprio fracasso e disponibilizaram o seu ardor, de bom grado, ao inimigo sanguessuga. Sua vaidade os traiu. Alguns acordavam. Outros passavam o resto da vida enfeitiçados.
Certamente, ao observar a sua languidez no espelho, seus olhos estupefatos denunciaram que algo muito contrário a sua essência, parecia, pouco a pouco, tomar conta de todo o seu ser. Grande tristeza o abateu. Não se reconhecia mais no espelho. Quem era aquele, afinal? Discursos estranhos retumbavam em sua mente. Aquelas palavras pareciam sair de forma equivocada. Em perfeita consciência jamais diria tais tolices. Porém, aqueles flashes o denunciavam. Ele que bradara tudo. O "eu" de hoje. Por outro lado, o restante do "eu" de antes, reprovava, veementemente, todas as últimas palavras - e condutas - absurdas.
Caminhava sozinho. Sem objetivos e muitas perspectivas futuras. Enamorado pelas frivolidades. Escravo das efemeridades. Inicialmente, um gosto doce. Delicioso, apaixonante. Um aroma inebriante, inevitável. Quando você vê, já está envolvido dança de na cigana. Como um furacão, deixa grande desordem por onde passa.
Ele sentia, de repente, todo o peso de suas escolhas maléficas. Parecia caminhar em vários caminhos opostos, concomitantemente, até perceber que, perdera-se da estrada e encontrava-se, sozinho, caminhando em círculos. Tentando retornar a trilha. Tentando escolher aquele caminho menos tenebroso.
Por fim lembrou-se que antes também era descontente. Então desligou a luz do banheiro. Contemplou a lua e tragou o silêncio da madrugada. E respirou lentamente.
22/06/13