terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Feliz ano velho - algumas palavras

Flanei pela madrugada e cantei a melodia do vento
Soltei os cabelos e ri meu riso libertadoramente
abracei fortemente aqueles que eu tinha vontade
Disse não-ditos, disse o que pensava, assumi
que não sabia e, por hora, não saberia responder
Senti a deliciosa leveza do nem saber, nem ser, nem querer
Aproveitei a beleza de mais uma felicidade fugaz.

Depois veio o surpreendente,
Diálogos e confissões tecidas pela madrugada
De repente, percebo:
alguém notou a sua confusão
alguém reparou os passos distraídos
alguém percebeu a dor por trás do sorriso
a dor por trás do olhar de esgueira
a dor do tanto sentir
medo da solidão
medo do amor
medo da dor
medo de jogar tudo para o alto
medo de assumir os erros
medo de tentar novamente
medo medo medo medo medo
medo de sentir medo

Alguém reparou enquanto caminhava distraída.
Embalada em seus braços, tapei os olhos com as mãos, me contorci e sussurrei:
- Não vê? Sou egoísta. Egoísta. Egoísta. Infinitamente egoísta.
Percebeu quantos "eu" carregados em meus lamentos?
Segui o terço e ouvi suas palavras.
Era bastante incomum a forma como conseguia enxergar meus defeitos
E sutilmente descrevê-los um a um.
Porém, não fiquei colérica ou melancólica
Constatava a fatalidade de cada observação.
Fazia um breve comentário e me ajeitava em seu colo.

E assim passamos longas horas
Embrigada de sono, experimentei a lucidez de contemplar depois de tanto tempo a tragicidade de todas aquelas palavras.
Às vezes eu sorria e ele estranhou.
Seguiu o terço e eu o ouvia.
O abraço ficava vez mais acalentador
Cada vez sentia a sua respiração quente mais próxima ao meu rosto

Pouco antes da aurora, ele desligou a luz e cansou-se de tanto falar tanto.
Ficamos em silêncio
Entreguei-me ao momento e concomitantemente estranhei o fato de estar ali.
A onda voluptuosa chegou e fui deixando-me levar pelos sentidos lentamente.
Estranho se sentir em paz ao lado de quem, sem permissão, desnudou seu ser.

Certo tempo passado, quando o sol já ardia lá fora, me despedi.
Subi tonta e resoluta a ladeira da Avenida movimentada.
Remexi um tanto confusa na bolsa e me lembrei que amanhã seria Ano Novo.
Ano Novo e velhos problemas
velhos medos
velhas soluções
velhas condutas
"Ah, que porcaria. Pra quê beber champanhe e me vestir de branco?
Se dia primeiro farei tudo exatamente igual? Danem-se as listas de desejos (que não desejo) tediosamente iguais:
- Próximo ano vou malhar, estudar suficientemente, arrumarei um namorado, farei plástica nos seios, aprenderei alemão, etc, etc.
Dane-se!
Desejo uma feliz conduta nova. Um velhíssimo novo modo de contemplar a mesma paisagem cinza cotidiana. Força para continuar enfrentando a histeria e os fatos lúgubres. Coragem para refazer-se quantas vezes forem necessárias. Ousar voltar atrás e lutar contra as misérias. Deixar o egoísmo de lado e passar a perceber a vastidão do mundo que existe lá fora. E quantos mundos além existem e coexistem com o seu. Uns malucos queridos disseram que o tudo e o nada são iguais. Pois bem, desejo tudo e desejo nada.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Monsieur, s'il vous plaît


Monsieur, contemplastes a tempestade que desabou do céu, hoje?
São Pedro resolveu chorar todas as suas dores de uma vez só.
Arrependeu-se de todos os seus pecados.
Talvez tenha simplesmente  tomado consciência deles.
E tal embaraçosa situação o condenou, o libertou, e justificou o pranto.

Angustiada, engaiolada, limitada.
Sufocada no meio de tanta histeria, tanta tragédia, tantas lágrimas.
Pessoa já disse "tanto aspirei, tanto sonhei, que tanto.
De tantos tantos não me fez nada em mim"
Bastante caos e pouca solução.
Não suporto mais as minhas lágrimas solitárias, nem meu peito fustigado que vive arfando, buscando libertar-se do cárcere.

Porém, permaneço inerte, leprosa, delirante.
Os dias passam e tudo permanece da mesma forma
Monsieur, socorro, não tenho a garra de outrora.
Ando me escondendo pelos cantos, fugindo de tudo, todos.
Fugindo do meu eu.
Negligenciando o itinerário, que resignada enganei-me que havia aceitado.
No fundo, bem lá no fundo, há muita angústia, muito rancor.
Excesso de sentimentos porcaria que me levam a cultivar pensamentos criminosos.

E ficar aqui ao lado, ouvindo os soluços abafados de Maria, no quarto ao lado, durante a madrugada.
Sem nada poder fazer. E constantemente sentir na boca o gosto-fel da inutilidade,
depois de muito e sempre e tanto.
É de enlouquecer qualquer um.

Fui à esquina e comprei um maço de futuros problemas e urgentes soluções.
Em cada trago ia paulatinamente relaxando,
a nicotina entorpecia o meu ser e pelo menos momentaneamente,
toda a angústia sublimou no ar.

De repente, Monsieur apareceu.
Vinha de longe, trazia os cabelos molhados, bagunçados.
A roupa desalinhada e um semblante preocupado.
Fitou-me severamente e tenramente por debaixo dos aros Woodstock.
Abriu os braços largos e desajeitados e irresistivelmente aconchegantes.
Me desfiz em segundos, larguei os cigarros, corri para o abraço.


Monsieur, quanta bobagem, fiquei até envergonhada de compartilhar as minhas mais íntimas de perturbadoras angústias. Porém, estais tão próximo, ando irremediavelmente solitária, gosto tanto de tua companhia. Além de tudo vem acompanhando de perto o precipício em que estou prestes a me lançar.
Sinto-me tão egoísta relatando as minhas loucuras, a questão é que ando tão sozinha, carinhos assim comovem profundamente a minha alma, sim, Monsieur, se pudesse ficaria mais tempo ao teu lado; tenho certeza que estaria menos melancólica embora os meus problemas continuassem a existir. Fitaria longamente o teu envolvente e cálido olhar. E repetiria o seu doce sorriso longamente em minha memória. É, está tarde. Estou com sono. A cama está quente e irresistível. Acho que chegou de partir. Como consegue gostar de mim se nem eu gosto? Ah, Monsieur, não faças assim. Não digas isso - sorrisos tristes, mas ainda sorrisos, entrecortados- Deve ter sido o meu primeiro sorriso do dia. Tudo bem, vá, Noite serena. Tentarei ficar bem, claro. Deixe a luz do corredor acessa.

E no fundo, por fim, ficaram algumas urgências: "Fique, por favor, fique" que retumbou surdo no silêncio da madrugada.

Tiro incisivo

Tiro incisivo, disparo histérico de 38, arrebatou o meu delirante compasso. A força do alojamento da bala em meu corpo me empurrou para fora. Aos poucos ia perdendo as forças aos poucos ia perdendo sangue aos poucos os pensamentos confundiam-se aos poucos a dor tornava-se tão forte todos os meus órgãos doíam e agoniava de dor e angústia e solidão. Som lúgubre e enfadonho invadia os meus ouvidos. Não havia para onde correr, não conseguia me mover. Não conseguia gritar suficientemente alto, só soltava alguns gemidos esparsos de dor. Estava absolutamente sozinho. Desolado, sujo, todo o porvir sublimava-se.
Reminiscências brincavam em minha memória e já nem me lembrava se tinha 7 ou 70 anos. Pouco importava, aliás. Se era uma criança ou um velho, pouco importava. Pois me encontrava no fim, desesperançado, frágil, desconsolado. Aos poucos fui perdendo a capacidade de mensurar o lapso de tempo em que meu corpo jazia naquele chão frio. A luz do sol invadia irresistivelmente o quarto e dourava o meu semblante lânguido. Amanhecia, eu entardecia. Meus olhos ardiam, aos poucos padecia. Não sabia se conseguiria resistir. Minhas pálpebras foram se fechando.
E em meus últimos momentos, percebi que o fim é insuportavelmente igual ao começo.