domingo, 25 de agosto de 2013

Compilação de palavras. Compilação de percepções. Compilação de ideias.

Pequeníssimos assassínios diários

Faz parte do procedimento padrão
Não há como negar
Voltar
Escapar
Morre-se em pequenas doses

Pequeníssimas chagas
Pequeníssimos assassinatos
Desejos ignorados
Gritos abafados
Projetos abandonados
Paixões mal-resolvidas
Hábitos deletérios
Obstáculos imaginários
Chagas estancadas
Medos intransponíveis

Acorrentados
Cárcere mental
Cárcere mundano
Impossibilidades infames
Falácias convincentes
Íntegras máscaras
Mentira! Mentira!
Realidade distorcida
Atente-se
Tudo parece um mar morto
medos submersos
Sonhos intoxicados por
Negras águas de (des)ilusão

Enferrujados sorrisos
Cavernosos corpos
Sóbrios semblantes melancólicos
Perdendo o rubor sanguíneo
Entregando a sua juventude
de forma voluntária
Perdendo a sua luz
Ignorando o caos ao seu redor
Enamorados por uma frivolidade qualquer

"Parece cocaína!
Mas é só tristeza"

Trocando o feeling
Por uma estúpida mercadoria
Trocando o pensar
Por ideias pré-fabricadas
mecanizadas
enlatadas
Esquecendo a beleza da virtude
Cultivando a insana vaidade

Insano homem egoísta
Contempla agora o vazio
Tenta
desesperadamente
Preencher
O abismo que criou


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Letargia



Onze da noite. Aflição. Psicológica prisão. O dia arrastou-se interminável. Os ponteiros engatinhavam. Jazia no colchão. Entorpecida pelos meus deletérios pensamentos. Meu corpo estava dolorido. Pescoço,  ombros, juntas. Tensões acumuladas.
Viajando pela imensidão, um questionamento inevitável pairava pela densa atmosfera: Porque somos assim mesmo? Tudo é tão simples. Ou. Tudo poderia fazer-se simples. Nós é que complicamos. Cada um com sua maluquez. Animal sentimental. Animal inconstante. Como diz Renato Russo: se apegando facilmente ao que desperta o seu desejo. Daí, o fim, é conhecido: você se fode. Sim, se fode. O eu-lírico melancólico está colérico. Eu-lírico lobisomem. Eu-lírico dramático. O eu-lírico dispensa, agora, eufemismos poéticos. O eu-lírico não quer florir qualquer tenebroso cenário. Mesmo este cenário tendo sido criado.
E bem, eu-lírico imbecil, tudo está assim por sua culpa. Sua condenável mania de ser assim. Por causa dessa ingenuidade. Não-dosagem. Devaneio ambulante! Inconstante! Pague agora o alto preço de ser...assim. Caos fabricado por sua mente louca. Saboreie o gosto-fel desse gênio estranho. Reeduque-se, cuide-se, modifique-se, ou, ou, ou. Continuará assim: trupicando pela vida. Adquirindo mais uns hematomas.
Fato é que as ideias me angustiavam e precisava de um escape. Precisava materializá-las de alguma forma. Até para que pudesse tentar entendê-las. Ou. Talvez. Para que constatasse a minha insensatez e descompreendesse tudo. De vez. Desmanchasse, no ar, todos os conceitos. O conceito é não ter conceitos.
Pus-me, então, a deixar que os dedos transformassem os fluxos de pensamento em letras. Mil palavras. Desconexas e lúcidas. No meio de toda solidão, só existia uma pessoa que poderia me compreender. Um único ser que não faria aquele detestável monólogo das quase meia-noite parecer insólito. A única a qual não viria com julgamentos ou sanções. A única que até no silêncio me mostraria as respostas que eu já sei, e teimo, em esconder. A única que conseguia me enxergar, verdadeiramente, como sou. E, principalmente, que conseguia me aceitar.
Estamos conectadas. Nossa amizade nasceu sem motivos. Amiga-irmã. Diferentes, muito. E por um lado, parecidas. Lealdade. Companheirismo. Moça sabida. Moça que sutilmente levanta as bochechas quando sorri. E que contempla com os seus sagazes olhos todo o espetáculo da vida. Alerta menina quando esta insiste em caducar, e cometer, os mesmos erros. Um dia ou um mês sem nos falar nunca altera nada. Pois, sempre, você está presente. E, naquela noite letárgica, a consciência desse sentimento tão bonito me acalmou. Como o arrebatador cd. E como aquela cartinha perto do findar de um trágico ciclo. Ou dos escritos de aniversário.
Não, não sei, acho que não direi mais nada. Vou pescando umas verdades no meio do nada. Desconstrução. Construção. Vejo que as palavras são traiçoeiras. Atitudes, na maioria das vezes, valem mais. Que nenhum afeto nasce por contrato. Que as pessoas são pássaros. Que a felicidade é clandestina. Efêmera. Que devemos aproveitar ao máximo os momentos contentes. Pois, súbito, eles irão sublimar. E nada pode ser feito a respeito. Por fim restarão as lembranças. Por fim você terá que seguir em frente. Todos os dias. Renascer. Crescer. E, de repente, uma resposta aparece. Aquela que você sempre soube. Só o amor pode nos salvar. Como Neruda disse em qualquer lugar "Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida". Continuarei então, gauche, como disse Drummond. Continuarei, então, lutando pelas "causas perdidas". Continuarei inadequada. Continuarei, pois, amando. Continuarei buscando o intangível. E compartilhando. Porque a vida é dura demais sem ter pessoas, como você, por perto. Como disse Supertramp no inspirador "Na natureza selvagem": A felicidade só é real quando compartilhada. E, finalizando, como disse Vinícius: "É impossível ser feliz sozinho".
Por isso, insisto, sobrevivo. Meu coração continua vibrando. Para vocês, por vocês, meus queridos. Ontem essa verdade apareceu. Letárgica noite. Belíssimo luar. "Eu te amo". Que coisa bela. Confesso que quase não utilizo essa combinação. Anda tão vulgar, tão clichê, tão desgastado. Se te amo, não preciso ficar autoafirmando isso a todo tempo, não! Amo-te porque amo-te. Basta, apenas, demonstrar. Basta, apenas, sentir. Como súbito senti a beleza do amor. Sua imaterial certeza. Tudo. Nada. Em uma insconstante e solitária noite.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Ponho-me, pois, a recordar

Acho que ando um tanto fatigado. Suscetível e pirado. Semana tensa. Terrível sequência de vicissitudes. Meu maxilar parece paralisado. Nos últimos dias, devo ter apenas o mexido para mecanicamente fazer aquelas refeições sem sabor. Para fumar uns cigarros. Para responder ao habitual "Bom dia" do vizinho. E para soltar uns sofríveis palavrões depois de ter batido o dedo mindinho no pé da mesa.
Os dias na repartição continuam sendo um saco. Demasiadamente rotineiro. Demasiadamente monótono. Oito horas de aflição. Sôfrega prisão. Seis horas da tarde: alforria! Não por muito tempo: ponho-me a deliciar duas horas de congestionamento. Quando chego em casa. Fito e deito. Respiro, aliviado. A cadelinha faz festa. A primeira (e única) alegria desta besta vida de quarentão solteiro. Arranco os sapatos. Fico de meia. Tiro o cinto. Camisa. Aos poucos vou me livrando das correntes.
Abro a geladeira. Sempre vazia. Normal. Porém, sempre, com cervejas. Abro uma bem geladinha: Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah. Não contive o suspiro contente.
No entanto, meu peito, desatinava descontente. Faltava algo. Aquele cômodo estava tão sombrio, frio e vazio. Estava, sim, pois antes já esteve diferente. Era colorido, perfumado e confortável. Quando você estava aqui. Quando a sua presença o enchia de vivacidade. Quando tudo podia estar absolutamente arruinado, mas, você estava aí. Para chorar ao meu lado. Reclamar junto. Ou fazer planos mirabolantes. Ou para aparecer com aquela insuportável - e encantadora - história de achar um ponto positivo em tudo.
Agora tudo é tão triste, meu bem. Pensei, contemplando a tediosa televisão. Cada canto daquela casa transpirava você. Quase dez anos. Intensos anos. Digo com a convicção que o político demagogo faz promessas ao povo, que conhecia cada poro, cada pinta, cada curva do seu lindo corpo. Suas mil faces. As nuances de personalidade. Os olhos, os olhares, dentes, ossos, sorrisos. Tudo, tudo, tudo.
Mulher geniosa. Adorava suas inconstâncias sentimentais. Por vezes isso me assustava. Logo passava. A verdade é que o mau humor ficava dissonante da sua face angelical. E dos seus olhos vivazes. Súbito, voltava a fazer piadas - muitas vezes de um obscuro e satírico humor, mas, ainda sim, piadas - e sorria largamente. Por fim, acabava ficando mais apaixonado. Como dizia o Chico Buarque, aquele fanfarrão, o único cujo deveria realmente me preocupar, pois, vivia roubando a atenção da minha amada. Que lindamente desatinava a cantarolar: "Depois brinca comigo, ri do meu umbigo, e me crava os dentes, ai"
Lembro-me bem que você achava brega quando eu trazia flores: " Fernando, Flores, não! Sem modos patriarcais. Se quiser flores, deixe que eu mesma irei à floricultura. Traga livros. Traga  pães. Traga doces. Traga um bom vinho chileno. Traga um poema. Traga um arrebatador cd. Ou. Traga você. Apenas. É o suficiente para me fazer feliz"
Constantemente divertia-se com as minhas casmurrices. Com as crises de introspecção - sem aparente razão - e ria da minha "incurável lerdeza". Adorava discordar das minhas sisudas opiniões. Dos meus excêntricos gostos. Tudo com humor. Tudo com ternura. E com um milhão de argumentos.
Por vezes, sem argumentos. Só silêncio. Lembro-me de um dia. Pouco antes da sua partida. Você estava um pouco deprimida. Sua voz estava lenta. Os seus olhos, distantes e melancólicos. Me abraçou com resolução. Apertou os meus braços. E fitou-me por infinitos instantes. Desligamos as luzes da sala e deitamos no chão.
Ninguém ousou dizer nada. Permanecemos assim. Abraçados. Corpos unidos. Calores e energias, pouco a pouco, se unificando. Tragando a presença um do outro. O único som era o da sua lenta respiração. Íamos nos perdendo na infinda escuridão. Embriagados pela indescritível paz que sentíamos.
Entretanto, meu bem, você estava enferma. De repente, começou a soluçar. Lágrimas quentes escorriam dos seus olhos. Aquela torrente, lentamente, banhava a minha camisa. Fiquei surpreso, mulher geniosa, forte, raramente chorava. De repente, pois, sua fragilidade, que tanto teimava em esconder, ficava desvelada. Não soube muito o que fazer na hora, então, apenas acariciei os seus cabelos. E permanecemos assim. Nem consigo mensurar o lapso de tempo. Sei que, por fim, você me beijou suavemente. Intensamente. Daqueles beijos em que se beija a alma. E disse: "Não há pessoa, neste mundo, que eu tenha amado mais. E que tenha me feito tão feliz. E que eu me sinta tão à vontade. Não se esqueça disso. E, observe: Juntos, conseguimos preencher até o silêncio."
Sim, Maria Alice, nosso tempo juntos se esgotava tão rapidamente quanto aqueles contadores bomba-relógio de filmes de ação. E eu, insensível, obtuso, não consegui perceber. E, francamente, vejo, hoje, que já naquele tempo, não havia muito a ser feito. Aliás, nada poderia ser feito. Porque, assim como, aparentemente, fomos "predestinados" a nos conhecer e a nos amar, também, fomos "predestinados" a nos separar um dia.
Agora, são duas da manhã. Um homem triste, solitário e com um humor taciturno navega pela escuridão. Bravamente sobrevivo. Largado em uma cadeira. Totalmente fora dos  burros estereótipos midiáticos: gostosão atlético, imponente executivo, carismático artista. Não! Na realidade eu sou um mau humorado, fracassado e inconsolado. Sentado em frente à uma máquina de datilografar. Barba por fazer, hálito capaz de causar náuseas em uma virgem alma: álcool, nicotina, comida gordurosa, tudo, tudo, que desesperadamente possa preencher o vazio. Tudo, tudo, tudo que possa encurtar esse martírio. Tudo, tudo, tudo que vai me matando aos poucos. Estou datilografando. Ponho-me, pois, a recordar. O meu maior deleite. A derradeira atividade. O que me restou.
Então, os meus dedos vão, pacientemente, tecendo. Criando e recriando. Materializando. As lembranças. Suas. E nosso eterno.

O Menino e a Borboleta Encantada

                     

"Os números me dizem que já se passou muito tempo. Mas a memória ignora: é como se tivesse acontecido ontem. Assim é: o que a memória ama fica eterno. E eternidade não é o sem-fim. Eternidade é o tempo quando o longe fica perto. Riobaldo sabia dessas coisas. “Contar é muito dificultoso”, ele disse. “Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balance, de remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Assim é que eu acho, assim é que eu conto. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie de velhice.”
 
Pois é assim que estou, na saudade, as horas antigas bem perto de mim... Uma menina de cinco anos chora, minha filha. Está com medo. Vou viajar para longe, ficar muito tempo ausente, ela não quer, pede que eu fique, mas não há nada que eu possa fazer. Aparece então uma estória, é sempre assim, elas surgem de repente, sem que eu as tenha pensado, vindo de algum lugar que eu desconheço... Pois ontem, de repente, passados muitos anos, ela se contou de novo não à menina, mas a mim, com um sorriso matreiro e materno. Talvez porque, dessa vez, seja eu que esteja chorando com medo da saudade. A estória é assim.
 
Era uma vez uma Menina que tinha como seu melhor amigo um pássaro encantado. Ele era encantado por duas razões. Primeiro, porque ele não vivia em gaiolas. Vivia solto. Vinha quando queria. Vinha porque amava. Segundo porque sempre que voltava suas penas tinham cores diferentes, as cores dos lugares por onde tinha voado. Certa vez voltou com penas imaculadamente brancas, ele contou estórias de montanhas cobertas de neve. Outra vez suas penas estavam vermelhas, e ele contou estórias de desertos incendiados pelo sol. Era grande a felicidade quando eles estavam juntos. Mas sempre chegava o momento quando o Pássaro dizia: “Tenho de partir”. A Menina chorava e implorava: “Por favor, não vá. Fico tão triste. Terei saudades”. “Eu também terei saudades”, dizia o Pássaro. “Eu também vou chorar. Mas vou lhe contar um segredo: eu só sou encantado por causa da saudade. É a tristeza da saudade que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for não haverá saudade. E eu deixarei de ser o Pássaro Encantado. Você deixará de me amar.”
E partia. A Menina, sozinha, chorava. E foi numa noite de saudade que ela teve uma ideia: “ Se o Pássaro não puder partir, ele ficará. Se ele ficar, seremos felizes para sempre. E para ele não partir basta que eu o prenda numa gaiola.”
 
Assim aconteceu. A Menina comprou uma gaiola de prata, a mais linda. Quando o Pássaro voltou, eles se abraçaram, ele contou estórias e adormeceu. A Menina, aproveitando-se do seu sono, o engaiolou. Quando o Pássaro acordou ele deu um grito de dor.
“Ah! Menina... Que é isso que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias. Sem a saudade o amor irá embora...”
A Menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar.
 
Mas não foi isso que aconteceu. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar. Também a menina se entristeceu. Não era aquele o Pássaro que ela amava. E de noite chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo...
Até que não mais aguentou. Abriu a porta de gaiola. “Pode ir, Pássaro”, ela disse. “Volte quando você quiser...”
“Obrigado, Menina”, disse o Pássaro. “Irei e voltarei quando ficar encantado de novo. E você sabe: ficarei encantado de novo quando a saudade voltar dentro de mim e dentro de você...”
 
 A estória termina assim: a Menina na espera, se preparando para a volta do Pássaro. Mas como ela não sabia de onde ele voltaria, todos os espaços ficaram encantados. Ele poderia vir de qualquer lugar. E todos os tempos ficaram encantados: a qualquer momento ele poderia voltar.              
Quando a saudade apertava o seu coraçãozinho, ela dizia: “Que bom! Meu Pássaro está ficando encantado de novo!” E assim, a cada noite ela ia para a cama triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe ele voltará amanhã...” E sonhava com a alegria do reencontro.
 
O tempo passou. O Pássaro mudou seus hábitos. Passou a voar mais nas asas do pensamento do que dentro de aviões. Quando se viaja de avião a volta é uma coisa complicada, leva tempo. Quando se viaja no pensamento é diferente. Para se regressar basta um “Oi!”, e o viajante está de volta.
 
E a Menina mudou também. Menina, era ela que vivia engaiolada: não tinha permissão para voar. Mas mesmo que tivesse, não adiantaria: ela não tinha coragem para enfrentar a solidão: a solidão é amedrontadora. A Menina não podia voar porque não tinha asas no corpo. E não tinha asas na alma. As asas da alma chamam coragem. Coragem não é ausência do medo. É lançar-se, a despeito do medo.
 
O Pássaro, distraído, pensava na Menina sempre como uma criança sem asas. Não notou que algo estranho estava acontecendo: começaram a crescer asas nas suas costas. Não asas de pássaro. Ninguém é igual. Delicadas asas de borboleta. Crescidas as asas, finalmente chegou aquilo que mais cedo ou mais tarde teria de acontecer. A Menina chegou-se ao Pássaro e lhe disse: “Tenho de partir.”
 
O Pássaro teve vontade de dizer: “Por favor, não vá...” O Pássaro tinha medo da distância. A Menina estando perto ele cuidaria dela. Bastaria que ela ficasse triste para que ele se aproximasse. Queria poupar-lhe o perigo, a saudade, a solidão. Queria que ela estivesse segura. Mas ele sabia que segurança, mesmo, só dentro da gaiola. E dentro de gaiolas não existe a alegria. Borboletas vivem em casulos fechados só por algum tempo. De repente elas saem para a vida, para o voo, para o perigo, para a alegria.
 
O script da estória mudou. Tem de ser outra estória. O  Pássaro Encantado virou um menino de (poucos) cabelos brancos. Na sua mão está pousada uma Borboleta colorida. Ele a contempla, encantado. Mas sabe que esse momento a Borboleta pousada na sua mão, é efêmero. Ele olha e espera. A Borboleta vai voar. E ele diz, triste pela partida, e feliz pelo voo da Borboleta: “Voa! Terei saudades. Mas sei que são as saudades que nos tornam criaturas encantadas...”
 
Rubem Alves

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Claustro filoPoético

Encontrei respostas, por acaso, enquanto consultava os escritos de um amigo:

"Essa estória de estar sempre presente sufoca o ideal do eu poético, que precisa de tempos em tempos sair de cena, para depois voltar em grande estilo. Pois só assim se cria aquele certo anseio de se achar nos perdidos da vida. Desaparecer, espairecer e reaparecer, três verbos que tornam a vida humana menos medíocre".

http://claustrofilopoetico.blogspot.com.br/

Dançando

                       


Dançando.
Pés saltitantes
Destino errante
Sendo conduzida pela melodia inebriante.

Vagarosamente perdendo o controle.
Desvencilho-me do cárcere
Movendo
dedos, mãos, pernas, pés.
Rodopio
Doce vertigem.

Um. Dois. Três. Quatro
Um. Dois. Três. Quatro
Sutilmente
Movendo a cabeça
E o pescoço
Perdendo o controle
Submergindo em um mundo secreto
Em uma realidade paralela qualquer
Tentando alcançar
O insólito mundo subterrâneo

Deliciando o doce-amargo da ilusão
Sonhos
Antídoto contra a amargura do mundo
Dança
Ousadia
Escolha
Necessidade
De continuar

Movimentando-se
Céleres espasmos
Vertigem
Dor
Vazio
Indecisão
Medo
Gritos abafados
Anseios intangíveis
Distorção
Invenção
Horripilante realidade

Movimentando-se
Enfrentando o inesperado
Tentando estancar
As chagas latentes

Movendo-se em meio ao movimento
Em meio à confusão de luzes
Movendo-se em meio de cadáveres
De atitudes precipitadas,
Fugazes e errantes
Inexorável torrente

Dançando
embriagada por uma infinitude escarlate
Disritmia
Nunca será suficiente
Nunca atingiremos o âmago, o êxtase
Nunca encontraremos a resolução
Para todos os pequeníssimos-grandes litígios
Tudo que é abruptamente finalizado
Mal solucionado
dilacera
Irá nos dilacerar, pois

Dançando
Procurando ressuscitar
Perspectivas amorfas
Em meio aos passos incessantes
Procurando atribuir sentido
Ao que é desprovido de razão

Movimentando-se
Por causa do imperiosa necessidade
De sobreviver
De querer viver!

Dançando e tentando desesperadamente fabricar
Qualquer dose de destemidez e resolução
Desperdiçando o meu tempo
Com frívolas distrações
Reinventando-me
Movimentando
Escapando
fatídicos
fatos.




Gostando de Vinícius

Os próximos já sabem que, há uns bons anos, gosto de Vinícius.
Foi a primeira obra poética que conscientemente me apaixonei.
Antes de Vinícius, achava os poemas, e os poetas, chatos.
Li, reli, treli a sua  Antologia.
Quando percebi, os versos de Vinícius estavam em mim, e apareciam, inevitavelmente, em minha escrita.
Como o Rubem Alves versou sobre o amor "não obedece a lógica das trocas comerciais, nada te devo, nada me deves, como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo", ou algo do tipo. Não importa.
Meu apreço pelo Vinícius não tem explicação "racional". É gostar. Simplesmente. Tentar explicar seria inútil. Determinadas coisas não precisam de explicação. Mania estúpida de querer sistematizar tudo. Quanto positivismo! Posso exemplificar tal ideia, relatando o ocorrido, ontem, durante a aula de Teoria Geral do Estado: a professora pedia que optássemos por uma das teorias contratualistas e justificássemos a nossa escolha. Gosto mais da do Rousseau. Bom selvagem. Sociedade perversa que os corrompe. Contudo. Não sei explicar a minha preferência. Questão pessoal. Imaterial. Abstrata.
E se. E se. Não gostasse de nenhuma delas? E se gostasse um pouco de cada uma?
E-n-f-i-m
O poema do dia, então, é:

Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Impressões

Abra os seus olhos. Preciso. Já. Abra os seus olhos. Fuja. Todas. Ideias infrutíferas. Sentimentos amorfos. Indigesta mentira. Sorrisos enferrujados. Abraços gélidos. Laços quebrantáveis. Abra os seus olhos. Olhe. Verdadeiramente. Para os meus. Não receie. Sinta. Ouse descobrir. O que eles. Desesperadamente. Tentam lhe dizer. Não desista. Suas lutas. Seus sonhos. Secretos anseios.Tente. Novamente. Tente novamente. Formas diferentes. Faça. Dispa-se. Cólera. Desapegue. Frivolidades. Caminhe. Descalço. Vá. Pela esquerda.
Metrópole melancólica. Fim de expediente. Desesperança. Desamor. Estresse. Gritos abafados. Dores reprimidas. Desejos imperiosos. Horários corridos. Corrida. Corrida! Para sobreviver. Comer. Para não ter um tostão do meio ao fim do mês. Pegar a condução lotada. Filas. Filas. Espera interminável. Correndo. Vertigem. Correndo. Vamos. Perdendo. Vida.
Continuo lutando. Porém, confesso. Vou ficando velho. Vou ficando cansado. Os ímpetos juvenis esgotam-se. Sublimam-se. Vagarosamente. No meio. Sombria atmosfera. Tudo. Tudo. Frio. Estranho. Mentiroso. Meu corpo dói. Sinto frio.  Solidão. Por isso, meio enclausurado, procuro por você. Meu tempo é breve. A tempestade se aproxima. Irresistível. E, dessa forma, não irei desperdiçar, nenhum momento. Sem você. Então. Venha aqui. Pare de fugir. Esqueça. Mágoas. Postergações. Perdoe o que puder. Esqueça o que não tiver. Abra os seus olhos. Volte. Devolva-me. Liberte-me. Ou. Deixe-me. Perder. De vez. Por fim.

domingo, 18 de agosto de 2013

De repente

Aos poucos, a muralha centenária, pouco a pouco, desaba
De repete, convicções prolixamente sustentadas, desaparecem
Novíssimos hábitos, gostos e novidades, compõem a atmosfera
Quatro meses, Quatro anos
A todo momento, novidades!
Metamorfose constante
Novidades
As chaves que nos libertam desta prisão

De repente a vida é lá fora
De repente a solidão - não mais - me devora
Os devaneios, abstrações, páginas de livros, apenas
não conseguem conter os infinitos anseios que desatinam em meu peito
O espiritual dá lugar ao tato
Ao efêmero
Vejo que cresci. Vejo que o tempo urge
Vejo que perdi muito tempo com a minha indecisão
Pau-
-la-
-ti-
-na-
-mente-
perco o medo
Novidades! Novidades!
A força motriz

De repente o tempo é agora.
De repente a melancolia urbana desvanece
De repente a dor do mundo, por infinitos instantes, desaparece
O insólito trânsito cessa
O infeliz executivo veste pijama
O drogado dá o último trago
Os amantes desfrutam do derradeiro orgasmo
O padre. O deputado. O estúpido fidalgo
Opressor. Oprimido. Alienado
Invisível. Ignorante. Herege
O Velho. A grávida. A criança
Todos. Todos. Todos

De repente
Param
Tragam o agora
De repente, estão libertos
Observam
Contemplam o infinito azul celestial
E, então, desvinculam-se
de toda esta deletéria materialidade bestial

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Bom dia

Dia bonito!
Estou contemplando as nuvens
Enquanto o busão
avança pela metrópole furiosa

Bom dia,
Olha as nuvens que rodeiam o sol
A força do sol encontrando brechas para tentar se impor

Mas as nuvens resistem. 
A atmosfera os oprime
E, então, diante deste litígio
luz e nuvens se compõem
Formando uma bela paisagem impressionista
Acariciando as retinas
Acalentando o coração

"Estamos compondo um poema"
"Você que está fazendo"
"Nós"

As nuvens em cor degradê
o branco amarelado quente ao Sol
O cinza negro frio ao homem
Logo elas fraquejam
Os finos fechos de luz
são os gritos agoniantes
Do sol que vai se libertando da prisão estrelar
Quer imperar,
soberano solar

É a batalha do crepúsculo
Aquecendo a alma de quem o vê...

- Compilação de mensagens de texto trocadas em uma doce manhã - Afinal, não é preciso estabelecer paradigmas em relação a forma de composição. Poema tem que ser assim: espontâneo.

domingo, 11 de agosto de 2013

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Escape



Ei, minha pequena, venha cá. Sente-se ao meu lado e ouça o que eu tenho para dizer. Preciso te ensinar a se amar. Largue estas pílulas. Largue destas pessoas. E destas ideias. Que só te deixam mal. Fique perto de quem te faz bem. Derrube a muralha que te sufoca. Limpe as lágrimas. Ignore estes infames conselhos pré-fabricados. Espante a tristeza. Abra a janela e deixe a alegria entrar. Levante deste sofá. Lave o rosto. Tire da gaveta empoeirada os projetos abandonados. Fuja. Coragem. Para ser quem tu és. Para enfrentar as agruras. Para ter a ousadia de assumir a tua dor. Grite. Grite bem alto. Tão alto quanto a dor. Corra. O mais rápido que puder. Até que o seu fôlego acabe. Até que a sua imensurável. Dor. Desapareça. Diga: Nunca mais. Reaja, por favor. Olhe. Observe. Olhe para as coisas de forma diferente. Adote uma nova perspectiva. Lute por uma causa. Acredite na beleza do ser. Acredite na doçura.  Acredite, Acredite. Volte a acreditar. Mil tentativas erradas. Pois, tente, mais uma vez. E, novamente. E, sempre. Só assim poderás voltar. A verdadeiramente. Viver

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Abrigo

E, agora, você pode me ouvir?
verdadeiramente, pode me ouvir?
Nesta escuridão infinda
deste quarto solitário
Letárgica prisão
Você consegue me sentir?
Sem receios
Apenas sinta
a minha presença urgente
Ouça a batida
Trague o som
Perceba
o grito desesperado contido em meu silêncio
Entre sem bater
Pegue nas minhas mãos
Envolva meu corpo junto ao teu
E diga, sem hesitar
Todo aquele discurso implícito que já sabemos
E em um suave encontro de lábios cálidos
Me mostre que não vale a pena
continuar evitando
o amor