sábado, 22 de março de 2014

O Nós de outrora.

Talvez eu sinta tanta a sua falta quanto sinto falta do eu que fui um dia. Sabe, certa nostalgia melancólica que bate quando, súbito, você se depara com o reflexo do espelho e não reconhece a figura insólita que o contempla. Pior ainda quando você interrompe toda aquela insuportável sequência de dias iguais e vê que, finalmente, os seus sonhos estão enferrujados.
De repente aqueles planos de nós visitarmos todas os sebos de Paris parece tão intangível e absurdo. E as noites de poesia e cachaça e charutos, os quais cada nova aventura, deliciosamente sublimes, eram deliciosamente desfrutadas, parecem fatalmente improváveis.
Até a improvável paixão não vivida parece banal. Antes, era doloroso viver ao seu lado pensando que jamais saberia a respeito do meu amor sufocado. Terrível era fantasiar um destino partilhado. Fatal fantasia, improvável. Porém, agora, a embriaguez chegou ao fim. Ressaca bem curada após, nova lucidez me contempla e paulatinamente abandono alguns amargos sonhos sonhados.
Eu me lembro perfeitamente quando o conheci. Apesar o encanto inicial, do entrelaçar de energias similares, demoramos certo tempo para ter assunto. Mas, depois, em uma tarde qualquer, começamos a falar sobre poesia. Analisar o mundo, explorar o mundo e debater sobre os mais profundos sentimentos. Acabamos sendo poesia.
Agora abro aquela agenda do ano passado e me assusto com o vejo. Alguns sentimentos são iguais, exatamente iguais. Outros soam estranhos. Talvez seja uma certa sensação de não mais caber em si mesmo. De buscar ir além e acabar sendo além. O sentimento de nostalgia aumenta quando vejo que não somente um ano se passou, mas que nós passamos, também. Lembro-me que os cortes causados pela sequência de desventuras amorosas passou. Que as angústias do desajuste de nossos anseios à trágica realidade, embora ainda insistentes, diminuíram de intensidade. Que nós cansamos de  reclamar e começamos a engatinhar ações.
Nós fomos além.
Porém, aquela folha guardada entre duas páginas de um setembro intenso me lembram que nem faz tanto tempo assim, embora o eu de outrora tenha sublimado por aí. Quando fecho os olhos, lembranças vívidas põem o meu coração em chamas.
E eu tenho tanta saudade.

Três breves desaventuranças e o rapaz mais bonito.

(Des)amores

Rèmi foi o meu frustrante primeiro namorado. Era ortodoxo demais. Cheio de manias e cerceios. Ligava demais para a aparência. Insensível. No fundo suspeitava que desejava ter uma namorada só pra dizer que tinha uma namorada. Me achava emocional demais, intensa demais, carente demais. Ele com o seu pouco tato sapateou em meu amor próprio inexistente. E, no fundo, eu sempre o achei um saco. Porém, por causa da inexperiência, demorei para perceber. Para piorar, beijava mal. Hoje, penso que ele era bissexual. Penso que tinha uma lascívia reprimida por rapazes. Mas era homobófico, conservador, talvez jamais aceite que o desejo é uma força instintiva e incontrolável e que é uma tabu redondamente estúpido castrar as relações entre pessoas do mesmo sexo. Espero que um dia ele se liberte e se jogue nos braços de um boy magia. Pois nós juntos jamais daríamos certo.Todavia, em algum tempo equívoco, eu achei que gostava do sujeito. Chorei noites por causa dele, fiquei tempos ser dar umas bitocas e achei que jamais iria gostar de outra pessoa. Certo tempo após, quando eu me cansei de chorar, apareceu um barbudo na aula de Economia e sacudiu o meu coraçãozinho mutilado. Esqueci-me complemente de Rèmi.
O caso com o barbudo pouco durou. Ainda bem. Ele era machista, cafajeste e bebia muita cachaça. Na primeira oportunidade ele me agarrou e me convidou com a maior cara de safadeza para ir estudar na casa dele (cantada velha e lamentavelmente pouco criativa). Foi bastante frustrante porque eu fiquei semanas idealizando o cara até depois, com muito esforço, tentei manter contato com ele, até que em um belo Bananada ele resolveu me convidar para sair. O barbudo esfacelou os contos Disney que eu cresci achando que eram verossímeis (ainda bem que a desilusão veio). Ele me ensinou muitas coisas, inclusive que eu não tinha amor-próprio e que às vezes caras que parecem legais só querem transar com você e te descartar no dia seguinte. O rapaz também tinha qualidades, claro. Era encantadoramente inteligente, gostava de literatura e zelava pelo bom uso da norma-padrão da língua portuguesa, o que me atraía profundamente. Bonito, porém cafajeste. Encantadoramente charmoso, porém cafajeste. Cafajeste, cafajeste, cafajeste. De qualquer forma, muito fantasiei. Ele me achava geniosa e precoce. Um dia bebi muita vodka e enviei um poema escrito que eu havia escrito para ele em um momento de delírio durante a aula. Não me arrependo, foi engraçado, mas na época eu fiquei mal. Talvez ele tenha me procurado outras vezes, mas mesmo querendo eu fugi para bem longe.
Depois do barbudo eu passei a beber mais cachaça e a querer fumar de vez em quando. Tudo ia indo muito mal, só que, de repente, cansei de me lamentar pelos amargos. Foi a época em que eu saí muito e estudei muito e comecei a intensamente viver, não somente em meu mundo interior,  como de costume, mas comecei a, de fato, viver. A intensamente interagir com o mundo exterior.
François era meu companheiro de farras, livros, angústias, bebidas e cigarros. Nesta época eu já não suportava ficar um dia sem ele. Hoje percebo que sempre o amei. Como amigo ou como namorado, eu o amei. Porém, nada disse. E o tempo foi preguiçosamente se arrastando e a ternura de François foi me curando.
Até que sem muito porquê, Jean Paul apareceu em minha vida. Como um furacão, vertiginosamente me carregou e rapidamente se foi. Deixou grande estrago. Apareceu com seus poemas, com sua alma de poeta, com sua inextinguível crise existencial, com sua sensibilidade e sensualidade, sua intensidade de sentimentos tão compatíveis com os meus. Apareceu com o seu papo manso, com sua argúcia de raciocínio. Suas ideologias, consonantes com a minhas. Jean Paul me lembra dos Movimentos Estudantis e do feminismo. Ele exalava aventura e novidade. Sempre tínhamos papo. Dávamos certo, era muito natural. Por certo tempo acreditei que não existia no mundo alguém tão parecido comigo (doce ilusão). Sua pele morena e febril e todas as atenções me fizeram enternecer de paixão. Até que um dia, sem dar qualquer satisfação, ele se foi. Pertencia ao mundo. Quis acreditar que ele pertencia a mim. Jean Paul queria saborear o mundo. Eu também, porém ao lado dele. Quanta ilusão! Fiquei meio doida, escrevi muitos poemas, chorei, amarguei. Comecei a odiá-lo e a odiar todos os rapazes que apareceram posteriormente. Porém, no fundo, sempre soube que o efêmero era o nós. E que, de maneira ou outra, o nosso breve amor estava fadado a acabar naquela estação.
Até hoje desconfiaria que não me curei do pé na bunda se não existisse François.
Ele me consolava, passava as mãos em meus cabelos e me cobria de doçura.
Não somente pelas desventuras amorosas, embora a gente atinasse a muito refletir sobre o amor, mas por causa de tudo aquilo que ele me fazia sentir, e ser, que me faziam amar François.
Todos os fins de noite nós caíamos na risada quando começávamos a nos questionar sobre os porquês que nos levavam a sempre falar sobre amor.
Apesar de também não ter dado certo, ele me fez não desacreditar em um bocado de coisas.
É o único que eu ainda espero. O único que permaneceu.
Agora ele está do outro lado do oceano,
mas ainda existem razões para que eu me recorde e para que eu o ame diariamente.
François é o moço mais bonito que já conheci em toda a minha vida.

- Escrito em algum momento de profunda e sincera lucidez insana -



quarta-feira, 19 de março de 2014

Encaracolar

Certa noite fria e extasiante,
em meio a uma confusão de anseios delirantes,
quando nada mais esperava daquela noite fustigante,
conheci um belo rapaz moreno de cabelos encaracolados.

Acho que eu gostei dele e ele também gostou de mim.
Gostei do seu porte conceitual,
do cavanhaque sem bigodes,
dos cabelos libertários,
do manso jeito de falar; 
E eu acho que ele gostou da minha meia-calça pin-up.

Ah, tanto faz.
Deixemos as metódicas explicações à ciência.
Gostei mais de falar com o boy sobre Filosofia

Porém, no fundo, nada disso nos interessava.
Em um vertiginoso rodopio caí em seu enlaço,
Provei os seus lábios e habitei o seu abraço.
Gravei o gosto daquele black mentolado
E o feeling de um gostar inesperado.

Paulatinamente fui abandonando minhas defesas.
Mas também quis manter-me como o Itabirano;
Triste, orgulhosa: de ferro.
Ser a antítese do que sou.
É o desatino de quem traz o peito marcado
por amargores de amor.


E, ao mesmo tempo, pensava:
Como pode um rapaz ser tão doce?
Como pode tão mansamente falar?
Ah, moreno, cuidado ao desnudar meu ser
com suas engenhosas mãos delicadas.
Esse feeling está me deixando embriagada.


Baby, o gostar é devagarinho.
E tão urgente quanto o pulsar.
Realmente não sei o que fazer.
Mas você pode sentar-se ao meu lado
Comprar o jornal e vir ver o sol.
Pois nós continuamos a brilhar.




sexta-feira, 7 de março de 2014

Pensei

Pensei que não me adaptaria.
Pensei que para sempre seria refém do que eu queria.
Pensei que jamais conseguiria me libertar do passado
Pensei que o espectro dos outros ainda me afligiria.
Pensei que continuaria incansavelmente a me lamentar
dos fatos que fogem do meu domínio,
escorregam das minhas sôfregas mãos
decompõem-se em infinitas partes
deixam de ser
para, finalmente,
se espatifarem no chão
e tingirem a cerâmica de uma torrente multicolorida.

Pensei que, mas agora eu não penso mais
Compro algum mentolado na esquina e fumo porque tive vontade
Simplesmente porque senti desejo
E quem disse que o fumar precisa de sentido?
Quem disse que o existir exige?
Se tantos sem sentidos flutuam por aí?

Depois, danço na chuva, reflito e fumo mais um cigarro.
Caminho pela metrópole, resoluta, embora meu peito
permaneça cheio de dúvidas e desesperos.
Beijo-te na multidão, hoje, pois amanhã, não sei
Se ainda serei, se estarei e se sentirei.

E caso eu queira partir, não se assuste.
Estou descobrindo o mundo, amor.
Fiz porque quis e quis porque penso.
Penso e desejo.
Mas, amanhã, será?