terça-feira, 20 de novembro de 2012

A menina que vivia do sonhar

Certa vez existia uma garota, bem garotinha. Criada para ser donzela, ter hábitos finos, brincar de boneca, ser simpática com todos que os rodeavam e acreditar de forma absoluta em contos de fadas e nos encantos de príncipes.
O tempo passou e a vida trouxe algumas amarguras. Talvez essas amarguras sempre existissem, mas só a partir de determinada idade que a garota começou à senti-las. Nada foi abrupto. De pouquinho em pouquinho, ela foi desacreditando em algumas aspirações. Em contrapartida, a ausência de sonhos era inviável. Esses eram como um antídoto contra toda a usura e abandono que aos poucos destilavam-se ao seu redor. E contrariando as expectativas, ela não fez uma tatuagem. Tampouco fez um piercing. De uma forma serena, mas não indolor, ela ergueu o seu próprio mundo particular.
Um mundo inacessível e inatingível. Bastava imaginar e criar. O mundo material representava empecilho algum à esta terra maravilhosa. Nunca sentia-se enfadada de seu tenro ofício. Sonhava, sonhava e sonhava. Agora não mais com príncipes e histórias de amor maravilhosas. Conheceu o doce-amargo do amor. Descobriu que à "antropoperfeição" não existia. Pessoas eram complicadas, confusas, contraditórias e egoístas. Todavia, a garota gostou disso. Perceber e aceitá-las era uma parte realista de sua rotina demasiadamente subjetiva, com uma exagerada vivência interior e um desconhecimento do exterior.
De pouco em pouco, como a flor que desabrocha, a garota foi aumentando o seu contato com a vida concreta, com à vertigem da vida na cidade e com as quebradiças relações interpessoais. Em meio à contradições inexplicáveis. O seu sorriso era o seu maior escudo contra qualquer sentimento torpe. E a alegria era o seu brado contínuo.
A tempestade veio mais uma vez. E arrastou suas belas ilusões junto. A garota ficou desamparada. Por dias, suas lágrimas tentavam reencontrar um caminho à seguir. Pensou estar perdida e sozinha. Rebelou-se. Não aceitou a perda. Mesmo sabendo que tudo acontecia por um motivo, daquela vez ela insistiu em ignorar a verdade. Insistiu em ideias amorfas. Perseguiu pessoas que há tempos já haviam seguido em frente. Contentou-se com abraços frios e sorrisos maquiados.
E mais uma vez, entrou em cena o doce-amargo da vida. Em meio à tanta dor e ilusões substitutas de ilusões perdidas, ela encontrou o seu caminho. Como um arco-íris que surge após a tormenta. Deus colocou anjos em sua vida. Sendo que esses à guiaram a serviram de esteio e abrigo.
O tempo foi passando e tudo se ajeitou. As mudanças configuraram-se inevitáveis. A garota ainda sonha, mas não como antes. Aprendeu a ocultar seus sentimentos. Pelo seu próprio bem. Tampouco isso significava que deixasse de sentir. Apenas aprendeu a controlar o seu turbilhão interior. A refletir. E usar sua genuína introspecção a seu favor.
Além disso, é imprescindível comentar sobre a mais importante e agora essencial parte de sua mais nova metamorfose: Depois de tanto tempo, ela aceitou-se. Como é. E parou de questionar. Leu em algum lugar que as pessoas não possuem defeitos ou qualidades. Simplesmente possuem características. E basta a nós aceitarmos. Essa frase não fazia referência à adotar atitudes cômodas diante de nossas misérias e aleijões. Devemos sempre buscar ajeitar nossas condutas e cessar nossas mazelas. Entretanto, antes de tudo, é preciso aceitá-las. Fácil discurso com difícil aplicação.
Certa vez, Fernando Pessoa disse algo que aplicava-se bem à garotinha:
"Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és..."
A vida lá fora a chama. O sol, à brisa e o riso dos moleques pela rua. De repente sonhar e planejar não a satisfaziam por completo e inciou-se na sua vida mais uma etapa: à da busca pela concretização. Sem deixar de ser aquela garotinha, que sempre viveria em seu coração.