domingo, 5 de janeiro de 2014

Pretérito Imperfeito da Indecisão

Se pudesse, trocaria a canção triste que retumba na vitrola e ressoa irresistível pelas paredes deste apartamento apático.
Se pudesse, lavaria todas as cortinas amareladas, trocaria os lençóis furados e encheria o recinto de perfume, flores e esperança.
Se pudesse sairia todos os dias para passear ao parque, contigo, com sorrisos e fala doce. Não te encheria de desgosto com ataques ranzinzas e amargores. Seria mais compreensiva e amável.
Se pudesse, travaria uma luta feroz e fulminante com meu egoísmo atroz.
Te daria alegrias diariamente. E quando a tristeza surgisse, irresistível, estaria ao teu lado para te fazer um cafuné.
Se pudesse, mudaria eu, você e nos retiraria deste exílio enlouquecedor
que dura quase duas ou duzentas décadas.

Se pudesse, mas eu não posso, querida.
Simplesmente, não consigo, a limitação imobilizou todos os meus membros.
À noite, me contorço, me reviro pelo avesso e, nos confusos momentos em que pareço estar perto de encontrar a solução, ela, intangível, intermitente, se esvai pelos meus dedos. Enlouqueço. Ou talvez nestes pequenos instantes eu fique mais perto da lucidez e nos outros momentos esteja submersa na loucura.
Se eu pudesse, ah, tanto faria. Ou nada faria. Ou teria a ousadia de fazer tudo aquilo que quereria fazer.
Ah, o tempo não perdoa a indecisão.
Se pudesse….
Poderia ser artista e viveria de poesia. Se pudesse correria atrás dos meus sonhos e nem ligaria para tolas expectativas que despejaram em mim e que, estupidamente, aceitei.
Indubitavelmente, se pudesse, seria menos impaciente e nervosa e neurótica.
Se pudesse, aprenderia a me amar. Ignoraria todos os estereótipos imbecis e gostaria mais de mim, até dos defeitos. E, definitivamente, pararia de ligar pra determinada flacidez ou gordura localizada. Ditas horrendas distorções que nada alteram o melhor que possuo, o belo e o duradouro.
Ah, se eu pudesse: amaria triplamente todos que passaram, permanecem ou passarão pela minha vida.
Cuidaria de todos, todos, todos, indistintamente.
Se pudesse, teria me lamentado menos e zelaria mais dos que estão ao meu redor, independentemente se eu precisava de cuidados
Teria tido mais sutileza no trato dos amigos.
Ah, se eu pudesse! Teria conservado mais amigos, teria abraçado os seus problemas e teria enchido os cômodos de presença e sorrisos. Infelizmente, hoje é sábado. Passei o dia, não o vivi. Sem suspiros ou soluços. Nenhuma declaração. Nenhum beijo de de solidão ou de sofreguidão. Nenhuma mensagem ou convite. 
Se pudesse, muito poderia fazer. Mas, hoje, carrego o semblante lúgubre e a infinda solidão que sempre carreguei comigo. Hoje, sou funcionária pública. Com olheiras de tédio e inexoráveis rugas de indecisão.

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