Noite de sexta-feira. Depois de batalhar durante a semana, finalmente, teria um descanso. Saí depressa da repartição, claustrofóbica atmosfera. Excepcionalmente nas sextas, o trânsito não representava um martírio. Esperança ia chegando enquanto o sol ia preguiçosamente se pondo no horizonte. Até o cansaço evaporava.
Em casa me banhava, perfumava, enfeitava. Vestia-me de um personagem. Sorria, bailava, serenava. Febril, enfim, dirigi-me do meu aconchegante aposento a Universitária Praça. Gente jovem reunida. Alegria, Alegria. Noite bonita, pensei. Cabe a mim fazê-la bonita.
Encontrei bons amigos. Um pouquinho de carinho sempre acalanta o coração. Por momentos, os grandes problemas, compartilhados, ficavam pequeninos. Chico sabiamente dizia "Cada qual no seu canto, em cada canto uma dor". Juntos, esquecíamos das angústias. E fazíamos planos. Sentir-se bem. Carinho sincero não faz mal a ninguém.
Pequenas coisas como atravessar a turbulenta cidade para sentar em um banco da praça com excelente companhia. Pequenas e tão essenciais! Não precisava de cigarros, álcool, ou qualquer outro tipo de psico-perturbador. Nada disso, queria a sobriedade. Depois de semanas, pela primeira vez, rejeitei o inebriante cheiro da cevada. Lamento, minha cara, hoje, não! Sinto-me bem, isso basta.
E por lá ficamos. Depois sentamos na grama. Fizemos roda. Discutimos. Tecemos nossos planos de mudar o mundo. Tanto faz. Eramos nós, instante, apenas. Depois, deitei, rolei. Tristemente não havia estrelas no céu. Porém, eu me sentia bem. Então, envolta pela atmosfera aconchegante, imaginei que a escuridão era estrelada e que elas sorriam para mim - para nós - todos.
Súbito, lembrei-me de você. Reminiscência irresistível. A certeza de sua presença foi tão real que jurei ser capaz de tocá-lo. E, permaneci, constantemente, a te ver em sutis movimentos (coisas que acontecem quando se sente falta de alguém). Não ousei verbalizar. Minhas reminiscências. Minha introspecção. Assim, navegando por mundos distantes, tive um insight. Súbito, compreendi. Leve brisa acariciou e pôs os meus cabelos em movimento. A presença física estava desvinculada da presença espiritual. E, francamente, ainda estávamos conectados. Levaria você, sempre, comigo. Uma bela parte sua estava em mim. E, alguma parte minha, estava em ti. Talvez nunca mais te reencontrasse. Provavelmente. Melhor assim. Contudo, estaríamos, pelo menos ainda por um tempo, juntos. A magia daquele breve verão não iria se desvanecer de forma banal.
Claro, o tempo, senhor tempo, acabaria por serenar as reminiscências. Por enquanto, peito desatinava, de vez em quando. Só que, depois dessa noite, percebi: você estava ali. Fechei os olhos. Uma cálida lágrima furtiva escorreu até os meus lábios. Disfarcei. Fitei. Sorri
De lá o grupo se dispersou e restou um grupo menor. Flanamos mais um pouco pela cidade. Nem queria voltar para casa. Iria até o fim. Sem planos traçados. Sendo movidos por genuínos anseios. Por fim, reencontrei mais uma amiga. Dirigi-me a casa dela e decidi que por lá ficaria. Encantei-me novamente com a sua doçura e sinceridade. Novamente, senti-me bem. Novamente, vi o quanto aquilo fazia-me falta. Às vezes, por descuido, estupidez, seja lá o que for, precisamos nos distanciar, navegar, ter novas experiências, para, depois, voltar. Reencontrar. Valorizar. Encantar-se, Novamente.
Estava cansada, com as ideias um pouco bagunçadas, mas, sentia-me bem. Comentaram sobre as olheiras, o olhar tristonho, a aura levemente sombria. Coisa de momento. Sentia-me bem, agora.