sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Envelheço



Fito. Sigo. Avalio
O reflexo deste lânguido espectro na pia do banheiro
Não me reconheço

Acabei me tornando 
igualmente
como
Envelheço
Ironizo os sonhos outrora sonhados
Abandonei a parte bonita em qualquer rua sem saída 

A parte colorida desapareceu
Chamem a polícia!
alguma coisa morreu
lentamente
desvaneceu
Morreu

Chaga leprosa
mar escarlate
Cega a visão
imobiliza os
sentidos

Coração a prova de balas
Fugindo de qualquer envolvimento
Não consegue se comover como antes
Agora se entrega em qualquer alienação
Acredita em qualquer discurso fajuto
Muda de itinerário em segundos

Vive por viver
Verdade dissimulada
Nem sei o que sinto
o que deveria sentir
Quase acredito na alegria
realidade fajuta

Veja só
Estou me envenenando gratuitamente
nem me lembro de olhar pro céu
Rocha fixou meus pés no chão
Não consigo mais voar
Não há ninguém para me salvar

Sonhos, Sonhos, Sonhos
Realidade
Envelheço
Ironizo
Distancio
Confortavelmente distante 
Sigo o caminho errante
Fito. Sinto. Omito


sábado, 21 de setembro de 2013

A parte mais triste


A parte mais triste, certamente, são os projetos que sublimam no ar. Pois a presença é como a ausência. Da mesma forma que nos acostumamos com a presença, nos acostumamos com a ausência. Até porque há muita presença ausente. E muita ausência presente. Silêncios sábios, urgentes, que dizem o necessário. Basta apenas um pouco de sensibilidade para poder captar todos os gritos desesperados contidos no vácuo. Porém, cuidado, o terreno é íngreme.
O problema, ao meu ver, está nos planos planejados, sonhados, idealizados. O tempo passa. Você se acostuma. De repente, o vento que refresca a tarde primaveril traz reminiscências febris. É aquele momento em que pequeníssimos detalhes tornam-se grandes. Que em segundos você revive tudo. Palavras, gestos, planos, planos, planos. Que nunca serão realizados. Ignoramos, sorrimos, sufocamos a saudade. Sufocamos o desejo de que os projetos tivessem dado certo. Que o nós tivesse. Contudo, agora, cabe apenas o eu. O tu se foi. Seguimos.
Vou andando. Procurando meu caminho. Atrapalhada como sempre estive. Sendo gauche como Drummond. O curioso é que continuo, de forma ou outra, te encontrando por aqui, de vez em quando. Talvez, simplesmente, a sensação tenha origem nas saudades. Pode ser. Essa incômoda inquilina amolece qualquer coração e faz rebuliço até nas mais sensatas mentes. Fato é que, verdadeira ou criada, essa presença de alma proporciona uma sensação agradável.
O problema está quando, em momentos de distração, as lembranças dos planos planejados, sonhados, idealizados, voltam. Ao reviver tudo, analisar o passado, o presente, a fatal impossibilidade...Aaaaah. Vem uma tristeza. Doce. Mas até tristeza doce é triste. Vem uma certa angústia resignada. Uns sentimentos antagônicos, bizarros. Dá vontade de repassar mentalmente todos os motivos que te levam a crer na leviandade dos planos. Dá vontade de reviver todos os momentos e lembrar de tudo aquilo que você sentiu e que a fez planejar desmedidamente...Aaaah. Em qual canto assombrado aquela sensação de invencibilidade foi parar? A covardia do hoje envergonha-se diante da destemidez do passado. Nada poderia nos deter.
Tudo questão de paciência. O tempo irá nos levar. O tempo irá levar os planos. E de vez em quando
Bem de vez em quando. Em momentos de distração. Eu vou lembrar.

Imagem: Edward Hopper

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Ultrarromantismo alucinante



Corpo, então, cede
Desprende-se
do cárcere material
Flutuo por mundos do inconsciente
Torrente letárgica
Caleidoscópios, ilustrações psicodélicas
vertiginosamente me alucinam

Quando acordo
minha pele sente frio
procura desesperadamente
por abrigo
procuro o calor
do teu corpo
gravado em mim
deixado
antes de partir

Sonhei
era tão real
tão fidedigno que juro, juro, juro:
que estiveste aqui
que pude tocá-lo novamente

Beijos tácitos
lábios procuram sedentos
pelos deliciosos teus
Perfume embriagante
inebria ainda
os meus tolos sentidos

Abro os olhos, estou sozinha
Contemplo escuridão
Angústia, desatino a reviver 
Anseio pelo o que nunca foi.

Tive um pesadelo
pois quando acordei
tive medo
de jamais voltar
tive medo
de jamais reencontrar.

Trágicas três horas da manhã
Rua deserta
Quarto deserto
Peito desatina:
desleais lembranças

Por fim, agarrei o travesseiro
Revivi os teus sorrisos
Adormeci
E, por instantes, acreditei
que a aurora
o traria de volta

Lua cheia

Lua cheia
Alma cheia
disse o poeta

Lua solitária
Lua não é de ninguém
para poder ser de todos
iluminar o desvalido mundo
com tua singela magnificência

Lua, companheira
Sou solitária como tu
Queria libertá-la
Queria me libertar
Anos passam
Ciclos iniciam
findam
iniciam
Vertigem!
Infinitos
espasmos

Lua permanece
Lua nova
Lua crescente
Lua cheia
Lua minguante
Lua nova
Fases da lua
Fases da vida

Lua guia os meus passos
pela penumbra da madrugada
Fria brisa acaricia a minha pele
Trago o silêncio
Trago a paz
que a Lua me traz
Estou enamorada
quero me embriagar
em teus mistérios

Lua misteriosa
Inesgotável fonte de magia
Mãe do universo
dos amantes
dos solitários
dos leprosos
dos pródigos
dos mendigos
dos insensatos
abençoa a todos
com teu encanto

Hoje é sexta-feira
Lua cheia
Alma cheia
Deixa o nefasto passado findar
Deixa a alegria entrar
Deixa a aflição sair
Deixa o outro ciclo se iniciar

E se o delírio do mundo o fustigar
Chame a sua fiel companheira
esplêndida e singela
Lua




terça-feira, 17 de setembro de 2013

Náuseas

Saiu antes do horário, pegou a mochila e discretamente fechou a porta. Desceu as escadas resoluta. Andou com convicção. Quase corria. Ela insistia. Retirando forças de qualquer lugar interior. Observando os dias se arrastarem e quase nada se alterar. 
Depois que apanhou a condução, ela questionava: E, agora, como é que vou ajeitar todos estes desajeitados? Não sabia por onde começar. Não tinha ninguém para ajudá-la. Sempre tivera consciência das desordens. Antes, deixava de fazer. Ia postergando. Concentrando os seus esforços em distrações. Não mais. Agora, a falta do agir a sufocava. A inércia do presente sugava suas energias. As impossibilidades, também. Questionava-se até onde tinha ido parar o seus pensamentos positivos. Sei não. Envelhecia na cidade. Entristecia na cidade. Queria uma passagem só de ida. Queria conhecer o mundo e fugir da letargia. Fugir. Era a sua especialização. Não mais. Ela agora queria enfrentar as desordens: Só saio daqui depois de ajeitar tudo. Quanto tempo levaria? Ela não sabia. Ninguém sabia. Porém, ela, insistia.

Limpa água leve

Água, Vem, Limpa, Leve.
Água, Vá, Traga, Lave.
Purifique os corações mutilados
Limpe-os, Renove as esperanças
Recarregue as forças
Para que continue enfrentando
as melancolias delirantes
Vem, Água, Refresca
Permaneça, Água
Limpa, Leve, Lave, Traga
Vem, Água, Cure
Vá, Água, Leve
Chore
Chuva

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O Tempo e o vento

Abandonamos algumas alegrias.
Abandonamos algumas tristezas.
Abandonamos algumas ou todas as pessoas.
Deixamos de lado a reciprocidade e o respeito.
Esquecemos-nos das boas lembranças e das más também.
Deixamos que o tênis fique sujo e nos esquecemos de limpá-lo.
Deixamos que a casa prolifere poeira e nos esquecemos de limpá-la.
Abandonamos nossas maneiras e meias antigas.
Deixamos pra depois o abraço.
Esquecemos do bom dia.
E então, deixamos pra depois nós mesmos.

Tempo.

Teeeeeeeemmmmpo.

Teeeeeemmmmmmmmppoooooo.

O tem-po pas-sa len-tam-ent-e.
E é bem possível que ainda continue se esquecendo de arrumar a cama.
De limpar os olhos.
De dar bom dia.
De abrir as cortinas.
De tirar a poeira e retornar as boas maneiras.
De lembrar de si mesmo.
Então, o tempo...

Teeeeeeeemmmmpoooo.

Temmpoo.

Tempo.

O vento entra pela cortina agora aberta,
Inunda a casa.
Devasta o coração.
Ouve-se os estilhaços das janelas.
As louças dependuradas caem.
As canecas desabam.
As roupas se misturam.
Escovas, pentes, cremes dançam incontrolavelmente
Junto aos sopros do vento.
E o vento sorri.
Sorri audaciosamente pro tempo e diz:
Você não é de nada, passa, passa, passa e nada faz.
Nada modifica.

O vento dança no meio da sala.
Entre o corredor e os quartos.
Cantarola.
Se sente embebido pelos estragos.
E mais uma vez olha pro tempo e diz:
Agora ajude-a a limpar tudo isso.


Tumblr da Moça sábia: http://dvoador.tumblr.com/

sábado, 14 de setembro de 2013

Jogando alguns fora

Um tanto atrapalhada com os ponteiros, submersa em meu universo particular, permaneço em movimento. Enfrentando todos os movimentos espasmódicos e delirantes. A mudança vai operando-se, paulatinamente, e, súbito, metamorfose. Não me reconheço.
Período estranho. Móveis fora do lugar. Pensamentos vertiginosos. Muita introspecção. Pouca ação. Poeira pelos cantos.
"Quero mudar" "Preciso mudar" "Quero crescer". Desespero-me ao reconhecer os reiterados e indigestos erros. Aspiro tornar-me o melhor que eu possa ser. Quero realmente fazer a diferença. Atribuir um sentido bonito para a minha vida. Escapar do meu egoísmo e das minhas idealizações. "Quero mudar". Estagnar acabaria por me sufocar, por isso, continuo em movimento. Observo, um tanto atrapalhada, os novíssimos velhos fatos.
Por enquanto, vou mexendo neste desordenado lugar. Separando alguns para serem descartados. Alguns: pessoas, atitudes, memórias, decepções, objetos, ideais, e por aí vai. Desocupando espaços para serem preenchidos pelo novo. Desocupando espaços para poder voltar, novamente, a sorrir. Desocupando espaços para atingir, novamente, a leveza de ser. Quero me sentir, novamente, encantada por uma nova invenção. Voltar a ter, novamente, coragem para perseguir meus singelos sonhos. De viajar pelos quatro cantos. Novamente. Porém, de forma diferente. Desocupando, apenas. Evitando o trágico. Desde sempre tive uma dificuldade em aceitar o findar dos ciclos. Estou farta de tentar compreender o não-compreensível.
Estou farta da novidade monótona e vazia.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Ausência tua




Eu seria hipócrita ao dizer que não sinto a tua falta.
E quem disse que isso precisa ser dito?
A ausência tua faz-me pensar...

E sentir. Às vezes eu verbalizo.
Quando o sentir sufoca-me e a iminente falência
faz às palavras transbordarem de minha boca.
Brevemente, o meu estúpido coração é acalentado.
Depois passa.
E volta.
Talvez como uma versão vagarosa da oscilação do mar...
A verdade é que...
O dia fica bem mais feliz quando apareces.
Tudo ganha mais cor, brilho, sabor e graça.
E por vezes nem sei explicar,
o que não necessita de uma justificativa racional.
Apenas deve ser vivido.

Essa tua ausência faz-me ter medo de sentir.
Faz-me pensar. E hesitar.
Desligo o som e por lúcidos segundos
desvencilho-me dos devaneios.
Bebo água e engulo sentimentos.
Regurgito uns. Oculto outros.
E escondo-os em uma caixinha
obscura. Inacessível
e errante.

O relógio persiste. Incorruptível.
Os ponteiros não devem interromper a perpétua dança.
As engrenagens resolvem apressar-se
apenas
quando estás ao meu lado.
E não há mais ausência.
Há apenas o frescor da noite
junto ao teu inebriante perfume.
Embriago-me em tua presença.
Esqueço o que poderia e quereria falar.

Por instantes, nada mais preocupa-me.
Agarrada à tua cintura, o frescor do vento embala-me.
A felicidade invade-me e penso o quão bom é estar ao teu lado.
Tua presença embala meus devaneios.
Imprudente anseio à eternidade desse momento.

De repente retorno à lucidez.
Desisto de meus planos surreais.
Permaneço ao seu lado, em silêncio.
Mensuro ao máximo minha conduta
para não sufocar-te.
E Devoro-te.
Simultaneamente.
Interminável batalha de sentimentos antagônicos.

No dia seguinte
ponho-me à refletir.
O dia acontece.
E tu não aparece.


O teu silêncio faz-me desejar irracionalmente à tua presença.


Acabo optando pelo caminho da prudência.
Adapto-me. Calo-me.
Pacientemente espero.
"que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas"
À noite chega.
Tic tac, tic tac
À aurora surge ao leste. É hora de acordar.
Manhã silenciosa.
Tarde silenciosa.
Silêncio e ausência.
Anseios.
Receios.
"E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te"


Texto escrito há cerca de um ano atrás. Foi um dos primeiros poemas que me atrevi a fazer. E por este e outros motivos ele é muito especial. Dedico-o a todos os românticos [e profissionais da desilusão]. Dedico-o também ao Mário Quintana, cujo texto "Presença" me inspirou na escrita desse singelo poema.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Fugazes fluxos de pensamento de uma tarde contente descontente



Desalento
Dor, súbito, volta
Angústia, súbito, desatina
Descontentamento, vem, vai
Volta

Como versou Camões:
"descontentamento descontente"
Cárcere mundano
busca infinita pelo transcendental
transcender

Fato é que este cômodo incômodo
sempre permaneceu
distante
Cinza e delirante
Antes ou depois
Agora

Fazemos, o quê? Que faremos?
Vamos etiquetando, separando
Atribuindo, relacionando
As chagas de nossa alma
Com as chagas mundanas

Ópio?
Ilusão?
Alento?
Verdade?
Verdade,
intangível senhora,
onde está?

Pois, assim, vamos navegando
desbravando
destrinchando
temíveis profundas negras águas

Pois, assim como
O descontentamento
vem e vai
O contentamento
vem e vai

Tudo vai
Nada volta
Só transforma
[minha, sua, nossa]
Loucura

Esta loucura
deve ser fruto
de nossa
indecifrável
condição humana
irremediável
condição
irremediável
loucura
Vem e vai


Figura: Fernando Vicente Vanitas http://fernandovicentevanitas.blogspot.com.br/

domingo, 8 de setembro de 2013

Triste mulher bela




Preste atenção
Triste mulher bela
Saia um pouco de sua lânguida introspecção
E perdoe a minha incompreensão

Nunca saberei o que se passa em sua taciturna mente
Reiteradamente mutilada pelos anos
Nunca saberei quais os anseios
Abafados no seu peito

Quais os seus urgentes sonhos?
Quantos planos o tempo transfigurou em pó?
Quantos projetos abandonados pela falta de resiliência?

Vem cá,
vem se alegrar
Observo
este desperdício de tempo
há quase duas décadas

Irei tentar te mostrar
o quão maravilhosa você é
e pode ser
Alegria vem de dentro
Beleza e contentamento, também

Irei tentar te mostrar
que a sua claustrofóbica realidade
está distorcida
Fuja, fuja, fuja!
Enquanto o seu peito teimosamente pulsar
ainda será tempo

Queria te libertar
do cárcere de sua própria mente
Porém, a sucessão de derrotas
Parece ter sugado a vitalidade
das falidas pretensões

Com lágrimas nos olhos, te direi
não tenho um antídoto
Para a sua prostração
Gosto-fel das vicissitudes
de sentir-se incapaz
de te salvar

Tenha certeza que o que te agride
me agride também
Talvez sejam apenas
formas diferentemente iguais de demonstrar
Pois, por fim, minha querida
Você já deve saber, ou presumir
que neste desleal jogo
não há culpados
Somos vítimas
do mesmo assassino

Os anos vão se passando
Erros, desesperanças, amarguras
Diferentemente iguais
Resta-me, então, por derradeiro
o legítimo espólio
infértil latifúndio
perpetuado por gerações
pequeníssima ou grandessíssima parcela
de sua infinita, crônica
irremediável
tristeza

Poeminha

"tira esse azedume do teu peito
deixa teu riso fazer poesia
arranta tua carranca
o sol dessa cidade
não combina com teu pesar." 

ghnarciso

sábado, 7 de setembro de 2013

Subterfúgio de uma sexta-feira à noite



Noite de sexta-feira. Depois de batalhar durante a semana, finalmente, teria um descanso. Saí depressa da repartição, claustrofóbica atmosfera. Excepcionalmente nas sextas, o trânsito não representava um martírio. Esperança ia chegando enquanto o sol ia preguiçosamente se pondo no horizonte. Até o cansaço evaporava.
Em casa me banhava, perfumava, enfeitava. Vestia-me de um personagem. Sorria, bailava, serenava. Febril, enfim, dirigi-me do meu aconchegante aposento a Universitária Praça. Gente jovem reunida. Alegria, Alegria. Noite bonita, pensei. Cabe a mim fazê-la bonita.
Encontrei bons amigos. Um pouquinho de carinho sempre acalanta o coração. Por momentos, os grandes problemas, compartilhados, ficavam pequeninos. Chico sabiamente dizia "Cada qual no seu canto, em cada canto uma dor". Juntos, esquecíamos das angústias. E fazíamos planos. Sentir-se bem. Carinho sincero não faz mal a ninguém.
Pequenas coisas como atravessar a turbulenta cidade para sentar em um banco da praça com excelente companhia. Pequenas e tão essenciais! Não precisava de cigarros, álcool, ou qualquer outro tipo de psico-perturbador. Nada disso, queria a sobriedade. Depois de semanas, pela primeira vez, rejeitei o inebriante cheiro da cevada. Lamento, minha cara, hoje, não! Sinto-me bem, isso basta.
E por lá ficamos. Depois sentamos na grama. Fizemos roda. Discutimos. Tecemos nossos planos de mudar o mundo. Tanto faz. Eramos nós, instante, apenas. Depois, deitei, rolei. Tristemente não havia estrelas no céu. Porém, eu me sentia bem. Então, envolta pela atmosfera aconchegante, imaginei que a escuridão era estrelada e que elas sorriam para mim - para nós - todos.
Súbito, lembrei-me de você. Reminiscência irresistível. A certeza de sua presença foi tão real que jurei ser capaz de tocá-lo. E, permaneci, constantemente, a te ver em sutis movimentos (coisas que acontecem quando se sente falta de alguém). Não ousei verbalizar. Minhas reminiscências. Minha introspecção. Assim, navegando por mundos distantes, tive um insight. Súbito, compreendi. Leve brisa acariciou e pôs os meus cabelos em movimento. A presença física estava desvinculada da presença espiritual. E, francamente, ainda estávamos conectados. Levaria você, sempre, comigo. Uma bela parte sua estava em mim. E, alguma parte minha, estava em ti. Talvez nunca mais te reencontrasse. Provavelmente. Melhor assim. Contudo, estaríamos, pelo menos ainda por um tempo, juntos. A magia daquele breve verão não iria se desvanecer de forma banal.
Claro, o tempo, senhor tempo, acabaria por serenar as reminiscências. Por enquanto, peito desatinava, de vez em quando. Só que, depois dessa noite, percebi: você estava ali. Fechei os olhos. Uma cálida lágrima furtiva escorreu até os meus lábios. Disfarcei. Fitei. Sorri


De lá o grupo se dispersou e restou um grupo menor. Flanamos mais um pouco pela cidade. Nem queria voltar para casa. Iria até o fim. Sem planos traçados. Sendo movidos por genuínos anseios. Por fim, reencontrei mais uma amiga. Dirigi-me a casa dela e decidi que por lá ficaria. Encantei-me novamente com a sua doçura e sinceridade. Novamente, senti-me bem. Novamente, vi o quanto aquilo fazia-me falta. Às vezes, por descuido, estupidez, seja lá o que for, precisamos nos distanciar, navegar, ter novas experiências, para, depois, voltar. Reencontrar. Valorizar. Encantar-se, Novamente.
Estava cansada, com as ideias um pouco bagunçadas, mas, sentia-me bem. Comentaram sobre as olheiras, o olhar tristonho, a aura levemente sombria. Coisa de momento. Sentia-me bem, agora.

Duplipensação



Fica sempre um pesar
a desatinar
Estampado no olhar
Você não tem vontade de voltar
Regredir? Desistir?
Tampouco tem vontade de ficar
Permanecer? Estagnar?

Porém, a despedida
é tão sofrida
Ando saudosa
Navegando entre
partir e ficar
Dois verbos duplipensantes
Querer
duplipensante
Fazer
duplipensante
Sentir
duplipensante

Confusão!
Não tenho mais pretensão
Simplesmente vou tecendo
rimas sem ambição

Navegando
em hediondos
suscetíveis
pensamentos
fugazes

Doces devaneios
Terríveis desvarios
Verdade é que
nunca gostei de sensatez
Prefiro a maluquez
Confusão!
Duplipensação.


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Palavras

Não diga
As palavras são traiçoeiras
Podem soar verdadeiras
Depois
Chega tempestade
Leva os planos
míseros enganos
E as palavras, então
Soam dissonantes
Errantes
Oblíquas e
Dissimuladas
Mas, nem foi ilusão
É só uma nova estação
Naquele tempo
eram verdade
só não são mais
Por isso, preste atenção
Contenha-se
Não as utilize em vão
Martha Medeiros já disse
que silêncio é risco
e sapiência
Por isso
Não diga
Apenas sinta

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Poema de celular

Por fim
Peguei a tinta
Rabisquei o papel

Por fim
Transfigurei as ideias
em rima
Por fim
Restou o poema
Eternizando o nosso
irascível dilema

Paremos enquanto há tempo
enquanto nossa incongruência
é suave prosa
Evitemos a tragédia, amor
O mundo já está cheio
de solidão

Bolsos polpudos, almas vazias
Partidos sem sentido
Estamos fartos, amor
Estamos fartos de tudo

Deixe que a arte cure
cubra de açúcar
as chagas mundanas
Evitemos a tragédia
Celebremos a comédia

Paixão alucinante
Fim decepcionante
Tinha que ser assim
Fizemos assim
Deixemos o tempo
ir arrastando-se
Colorindo e curando
Sem sofrimento!
Alma de artista
é cheia de lamento

Artista é
Inconstante
Errante
Esquerdo
Inadequado
Busca
Eternamente
Intangível
Insaciável

Receios refletidos em ti
Pouco amor por mim
Não amando-me
Como poderia
um dia
verdadeiramente
amar-te?
Incongruência, amor
Sentimentos incongruentes

Como poderia cultivar
Esta terra infértil?
Primeiro deveria ter olhado para dentro
dosado os excessos
arrumado a desordem interior
Para depois
Receber o seu afeto
Incongruência, amor

Quis mudar seu mundo
Até que ele fizesse parte do meu
Muitas diligências
Breve permanência
Incongruências

Permanecerei, por longas insônias
Escrevendo e procurando respostas
Rabiscando o papel
Eternizo o momento
Dilemas
Sigamos em frente
Enfrente
As incongruências


Ana partia

Tivera uma tarde sonolenta. Doce melodia melancólica embalando o desenrolar dos ponteiros. Havia muito tempo que não passava uma tarde assim. Havia tempos, aliás, que não fazia aquelas velhas coisas que tanto adorava. Andava um tanto alheia de si mesma. No fundo, bem no fundo, tinha um pouco de saudades de estar só. Nesses momentos assim é que restabelecia a sua paz interior. Quando traçava os seus novos projetos, dava continuidade aos abandonados e abria mão das perspectivas falidas. Sim, preciso era fugir, por instantes, de todos os movimentos bruscos e irrefletidos. Distância era preciso. Nem por egoísmo. Nem por insanidade. Preciso era para desapegar de certas influências. Tentar novos olhares.
Pois toda a fase de deliciar o novo, era importante, imperiosa, decisiva. Porém, súbito, sem muita explicação, chegava uma hora que era preciso desacelerar. Refletir sobre os últimos frenéticos meses. Insólitas metamorfoses. Paulatinamente deixando de ser o que era. E transformando-se no que aspirava. Ou quereria ser.
Tragando o agora. Fazendo planos a curtíssimo prazo. Havia conhecido novos lugares. Tinha aprendido a conviver - aceitar -o diferente. Adotado novos pontos de vista. Quebrando  barreiras, preconceitos e arrogância. Foi-se abrindo para o mundo, lutando contra a sua genuína introspecção. Viver, preciso era. Devaneios, ilusões, livros, discos e filmes não mais saciavam a sua infinda sede de novidade. Infinda sede de vida.
Até que cansou. Correu e fez viagem de volta. Largou todos os castelos de areia sedimentados. Partiu o coração de alguns. Mas, pior seria se prender aquelas pesadas expectativas que a sufocavam por todos os lugares que caminhava. Ou decepcionaria eles ou decepcionaria a si mesma. Não haviam boas opções. Ana tinha medo. De se entregar, de se prender, de amar. Melhor era voltar enquanto havia tempo. Melhor viver em seu claustrofóbico mundo interior do que entregar sua alma em qualquer alienação barata. Desapego, para ela, era liberdade.
Fez, então, o que sempre fizera. Estava sozinha, mas, estava bem. Escondeu-se em um abrigo e meditou. Restabeleceu suas proteções - muros - impenetráveis fortalezas. Pois, ninguém, além dela mesma, havia penetrado intimamente em sua escuridão interior. Assim deveria continuar a ser.
Cansei do mundo,  por enquanto, pensou, enquanto a irresistível luz da manhã invadia o seu quarto pela fresta da janela. Seu corpo estava dolorido. Preguiçosamente se mexeu por alguns minutos no colchão confortável. Minutos depois levantou. Se arrumou e saiu. Sozinha. Como sempre fora. Como escolhera ser.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Despretensão




- As melhores coisas vem com o tempo - disse Aline com um sorriso sapeca. Deixa de afobação. Vamos tomar um café e comer um pão, Ju.
Só concordei. Costumava desatinar a falar - falar - falar - sem muita reflexão. Porém, hoje, sei lá, estava a fim de apenas escutar as suas palavras. Eram certeiras, doces, acalentadoras.
Fomos à cantina e compramos o de sempre. Pátio cheio. Mil rostos anônimos, melancolicamente, fitavam-nos.
Sentamos no chão. Falamos - falamos - falamos. E, juntas, fomos, tecendo soluções para as nossas íntimas questões. Demos risada. Aline era irritantemente positiva. Além disso, quando o assunto era irresistivelmente trágico: ironizava e fazia piada.
Céu claro. Atmosfera leve. Delicioso frescor matinal. Mente sóbria.
Muita conversação depois, Aline, disse, com resolução:
- Sabe, há tempos, venho me inspirando em você. Ju, você é um grande exemplo pra mim.
Fiquei surpresa, claro. Calei-me na hora. Infindos pensamentos em um fugaz milésimo de segundo. Viagem após, percebi que nutria o mesmo sentimento. Também me inspirava em Aline.
Por qual motivo eu gostava dela? Não sei. Empatia ou simpatia. Só sei que apreciava a companhia dela. Sentia-me bem. Não pelos seus bens ou bagagem intelectual. Gostava dela - simplesmente - pela beleza do seu ser. Singelo
É, percebi, também: as melhores e mais importantes coisas, são assim, singelas. Felizmente, não precisam de autoafirmação, discursos elaborados, empáfia, persuasão, Não! Mostram-se. Irradiam. Escondem-se. Contudo, nunca deixam de ser. Reaparecem em momentos de distração. Sem pretensão.

Viajando


domingo, 1 de setembro de 2013

Domingo

Por fim, o fim era bem parecido. Circunstâncias peculiares a parte, no fim só restava: silêncio, desprezo e cinismo. O recomeço: certeiro. A única saída. Não parecia muito perspicaz ficar remoendo amarguras. Tanta vida para ser vivida. Tanta vida lá fora. Fora do seu pequenino infinito mundo particular. Egoísmo seria pensar que a sua dor era a maior do mundo. Egoísmo fazer tanto drama desnecessário. Tolice!
Ela já estava acostumada (não necessariamente resignada) a recomeçar. A tombar. Cair. Espatifar no chão. Recolher os cacos. Recompor-ser. Levantar. Caminhar. Tropeçar. Cair. Ele, também.
Por fim, a vida era com os que ficavam. Pois, por fim, ele ainda estava lá. A cena se repetia. Os lamentos, também. Novamente, em um domingo. Os mesmos inócuos conselhos. O vinho habitual. Os saudosos poemas. Velhos sonhos improváveis. O mesmo samba. No cair da tarde, um belíssimo pôr-do-sol acompanhava a desilusão dos dois. Lágrimas confundiam-se com o hálito alcoolizado.
"Olha, vamos tentar ver a parte boa. Mesmo que inexistente. Deixar os fantasmas tomarem conta de tudo só vai tornar desnecessariamente prolongar a dor. Insuportável. Veja bem, ao deixar algo pra trás, ou desistir de um falido projeto, outras mil possibilidades surgem. Prender-se no equívoco é bobagem. Deixemos disso, Pequeno"
E, então, desatinavam a criar um bocado de perspectivas. Novíssimas. "Sonhar faz mal não, Pequena" Sorria largamente e a fitava com ternura. Por fim, ironizavam a falta de sorte que tinham pra tudo. Riam. Tiravam coelhos da cartola
"Tristeza não tem fim. Felicidade, sim" disse Tom Zé. Já Chico disse que "se todo mundo sambasse, seria tão fácil viver".
E, por fim, ébrios, sambavam. Envoltos pelo ritmo contagiante, requebravam e iam curando as suas feridas. Pulavam. Faziam festa. Voltavam a ser crianças. A felicidade, súbito, estava de volta. Singela alegria.
Por fim ficavam ofegantes. Alegria, momentaneamente, voltou! Coração serenava. Mas, a batida, a contagiante dança. Permanecia. Incessante.